sábado, 17 de dezembro de 2011



18 de dezembro de 2011 | N° 16921
NÍLSON SOUZA | INTERINO


O olho do Rei

João Saldanha era louco de atar. Uma vez deu dois tiros no goleiro Manga, que tentara tirar satisfações do jornalista por ter sido criticado numa final de campeonato do Rio.

Quando viu Manga se aproximar, enorme e com aquelas mãos de assassino de filme de terror, o alegretense puxou a arma e disparou para o chão. Dizem que deu um terceiro tiro na direção do goleiro, mas isso nunca ficou comprovado porque Manga já havia pulado o muro da sede do clube e desaparecido na noite carioca.

Mas Saldanha era também um homem corajoso. Encarou a ditadura brasileira, bateu-boca com o general de plantão e notabilizou-se pela coerência e pela honestidade intelectual, tanto como treinador quanto como jornalista.

Fui seu colega no Jornal do Brasil e, durante a Copa da Argentina, até tive discreta participação numa notícia importante que ele descobriu sobre o célebre caso das freiras francesas desaparecidas.

Aliás, o militar responsabilizado pelo crime acaba de ser condenado à prisão perpétua. Na ocasião, em plena Copa de 78, Saldanha me procurou no centro de imprensa de Mar del Plata e sentenciou, sabendo de minha habilidade no telex:

– Gaúcho, podes passar isso para o jornal?

Passei e deu chamada de capa. Bom, mas isso não vem ao caso neste domingo de decisão de título mundial. Lembrei-me de João Saldanha ao ler uma notícia sobre a catarata de Pelé. O nosso Rei do futebol não foi a Yokohama ver o Santos porque tinha marcado cirurgia no olho. Saldanha, em 70, quase foi fuzilado porque disse que Pelé tinha problema de visão.

Com os gols e os quase-gols que Pelé marcou naquele Mundial, o comentário de Saldanha, já então demitido do comando técnico da Seleção, virou piada. Anos depois, todos ficamos sabendo que Pelé era míope dos dois olhos e que, como Tostão, este por um acidente futebolístico, também teve um deslocamento de retina.

Esperemos que, mesmo com um olho operado, Pelé possa ver neste domingo um Santos digno da camisa que ele tanto honrou.

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