quarta-feira, 14 de dezembro de 2011



14 de dezembro de 2011 | N° 16917
JOSÉ PEDRO GOULART


Tapa na orelha

Este ano passou voando, escutei dizer a moça loira, bonita. Eu disse, todo ano a gente tem essa sensação; ela disse, não, “este” ano passou “mais” rápido do que todos. Um ano veloz, o de 2011, portanto, do jeito que ele se apressou, talvez fosse bom pedir calma ao tempo:

Acalme-se, senhor Tempo, deixe correr um pouco mais devagar esse seu relógio impetuoso, esse seu minuteiro mais parece um Pac Man a comer carne viva e regurgitar desilusão.

O que é, é o que é, respondeu o Tempo. Garanto que ando na lei. No Universo, aliás, elas são imutáveis, vocês já deveriam saber. Comigo não tem caixa 2, nem vem.

Olha, senhor Tempo, insisti, nós, súditos, sabemos do seu reinado absolutista e implacável, mas não tem uma mágica para fazer o senhor passar mais devagar – ao menos na sensação?

Tem, claro que tem. É só deixar de adiar seus projetos e tomar bastante líquido.

Ok, anotando, algo mais?

Evite engarrafamentos, redes sociais e transmissões do UFC, especialmente quando narradas pelo Galvão Bueno. Enfim, não me perca, não tem recuperação.

Radical, hein? Já não chega ser tão injusto? O senhor acaba para uns que não merecem e continua para tantos que já poderiam ter quebrado a ampulheta há horas.

Esse departamento é outro, eu não faço distinção, meu campeonato é de pontos corridos, sem segundo turno. Você pode jogar no meu time ou contra mim; outra coisa, melhor não fazer cera.

Olhei para ele intrigado, pareceu que lixava as unhas. Ele disse:

“A vida é como um sorvete de casquinha... Você precisa aprender a equilibrá-la.”

Boa, eu disse.

É do meu amigo Charlie Brown. Aliás, pro Charlie eu nunca passo.

Mais alguma coisa, senhor Tempo?

Diga para a sua amiga bonita, loira, aquela que achou que 2011 voou, que os melhores momentos são os em que eu passo rápido. Ela irá sempre preferir esses aos em que eu passo devagar.

Eu quis rir, mas ele ficou me encarando. Desviei os olhos, chega dessa conversa, pensei. Foi então que senti um tapa na orelha. Em seguida percebi que faltava alguma coisa, meu relógio sumiu.

Ele parou de lixar as unhas (unhas? notei agora que eram garras). Me olhou nos olhos e disse:

Nenhum relógio, por mais caro que seja, vale o tempo que marca.

Mas essa frase é minha, escrevi noutro texto, falei, surpreso.

Isso. Fui eu que soprei no teu ouvido. Só pra te lembrar.

Disse isso e voltou a lixar as unhas.

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