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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
Elio Gaspari
Já foi tarde
Se Deus é comunista, entrega a Coreia do Norte a um condomínio da ditadura de Pequim com dinheiro de Seul
Poucas vezes na história viu-se de forma tão direta e fotográfica o legado de um governante. É o buraco negro registrado pelos satélites que passam sobre o apagão da Coreia do Norte deixada por Kim Jong-il, o "Sol do Futuro Comunista", o "Comandante Invencível". Um apagão elétrico, social, político e econômico.
É com esse apagão que a jornalista americana Barbara Demick começa seu livro "Nothing to Envy" ("Nada a Invejar - Vidas Comuns na Coreia do Norte"). Ela foi correspondente do "Los Angeles Times" em Seul e, durante sete anos, entrevistou coreanos que fugiram da tirania de Kim Jong-il, que foi-se embora no domingo. Quando o "Querido Líder" nasceu, uma estrela brilhou no céu e dois arco-íris enfeitaram o dia. Sucedeu ao pai, o "Grande Marechal", e passou o poder ao filho.
Como sucedeu em 1994, quando o coração matou Kim Il-sung, o "Divino Guardião do Planeta", torce-se pela desagregação do regime que aprisiona 23 milhões de pessoas, dando-lhes fome, miséria e brutalidade.
Barbara Demick escreveu sobre uma tirania depois de um século varrido pelo Holocausto e pelo Gulag, quando seria possível pensar que já se viu de tudo. O que há de terrível no retrato da Coreia do Norte é que ele surpreende o leitor. Quando se acha que a vida de um povo não pode piorar, ela piora, envergonhando a época em que se vive.
Em 1945, a península coreana foi dividida entre duas ditaduras. A do Norte, comunista e rica. A do Sul, capitalista e pobre. Nos anos 60, quando se falava em "Milagre Coreano", o tema era a supremacia socialista. Em 1970, todos os vilarejos do país tinham eletricidade.
Passou-se uma geração, o Sul tem uma democracia e o Norte tem uma tirania enlouquecida, que mais se parece com a Spectre do romance de Ian Fleming do que com um Estado. Em apenas quatro anos, entre 1991 e 1995, a renda per capita da população caiu de US$ 2.460 para US$ 719. O regime vive do socorro cúmplice da China.
Falta eletricidade, mas as 34 mil estátuas do "Pai da Pátria Socialista" são iluminadas mesmo de dia.
A professora Mi-Ran conta que via alunos de cinco ou seis anos morrerem de fome nas salas de aula. Sua turma de jardim de infância de 50 alunos caiu para 15.
Nas casas desse paraíso, uma parede da sala deve ser reservada para o retrato do Líder, que é distribuído com um pano. Fiscais zelam para que nenhuma família deixe de limpá-lo.
A fome dos anos 90 matou entre 600 mil e 2 milhões de coreanos do norte. Em algumas cidades morreram dois em cada dez habitantes. Um médico conta que ensinou mães a ferver demoradamente a sopa de capim. A certa altura, as famílias preferiam que as crianças morressem de fome em casa, porque nos hospitais, onde não havia remédio, faltava também comida.
Nessa época o governo informou que racionara alimentos porque o povo da Coreia do Sul estava passando fome e precisava ser ajudado.
Ninguém comemora aniversário na Coreia do Norte. Festeja-se apenas um dia: o do nascimento do Líder.
Kim Jong-Il, com seus sapatos-plataforma, já foi tarde. Se Deus é comunista, o filho do Líder entrega o campo de concentração a um condomínio da China com a Coreia do Sul.
Serviço: "Nothing to Envy" está na rede por US$ 9,99.
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