terça-feira, 13 de dezembro de 2011



13 de dezembro de 2011 | N° 16916
CLÁUDIO MORENO


Exílio dourado

Exílio terrível foi o de Ovídio. O maior poeta da língua latina passou os últimos anos de vida confinado numa das mais remotas províncias do vasto império romano, longe da mulher e dos amigos. Por motivos desconhecidos, o imperador Augusto condenou-o a viver o resto de seus dias em Tomis, nos confins do Mar Negro, onde Roma terminava e começava a barbárie.

Tudo era selvagem naquele canto deserto do mundo. A água de beber era salobra, não havia pomares, nem vinhedos, nem árvores de folhas verdes – apenas estepes nuas, sem vida, cobertas até o horizonte por uma macega raquítica. O frio era terrível; o solo ficava congelado a maior parte do ano, e o gélido vento do norte vinha derrubar as telhas das moradias.

O vinho solidificava e tinha de ser cortado em blocos com uma machadinha. O mar às vezes congelava; os golfinhos deixavam de saltar e peixes vivos podiam ser encontrados em blocos de gelo.

A população provinha de tribos rudes, de nomes vários e impronunciáveis. Vestiam-se como mendigos, tapados de peles até a cabeça, armados de porretes ou arco-e-flecha. O cabelo descia-lhes até o peito e jamais aparavam a barba. Alguns falavam um grego arrevesado, mas Ovídio não encontrou quem conhecesse as palavras mais simples do Latim. Tinham a voz áspera e o olhar truculento, e por quase nada viviam se apunhalando uns aos outros.

Como se não bastasse, havia as tribos inimigas: no inverno, quando o rio Danúbio congelava, guerreiros a cavalo caíam sobre as aldeias indefesas como bandos de aves de rapina. Esses sinistros predadores rondavam incessantemente os muros baixos da cidade, tornando os telhados das casas verdadeiros agulheiros de flechas envenenadas.

Ovídio, que aos poucos tinha perdido a esperança de voltar a Roma, expressou em seus poemas toda a tristeza que sentia. Quando ficou doente, lamentou não ter alguém a seu lado para consolá-lo ou ajudá-lo a suportar o sofrimento; antes de morrer, passou-lhe pela mente a ideia terrível de que ia ser enterrado lá mesmo, naquela solidão, ficando seu espírito condenado a vagar para sempre naquela terra tão inóspita.

Um exílio bem diferente é o que Stendhal descreve em suas obras: seus personagens – talentosos, sinceros, idealistas – sentem-se estrangeiros num mundo onde o merecimento pouco vale diante das intrigas, dos acertos clandestinos, das vigarices baratas.

Incapazes de tolerar imbecis e fazer corte a ricos e poderosos – condição indispensável para o sucesso –, retiram-se para um país próprio e ensolarado, onde se dedicam ao amor, à música, a certas paisagens preferidas, a bons livros, a bons amigos e a conversas estimulantes.

Esta receita de vida serve para todos os que valorizam mais aquilo que são do que aquilo que possuem, para aqueles que nunca se queixam e não gostam de se explicar – para bem poucos, portanto, como já previa Stendhal.

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