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quarta-feira, 8 de julho de 2009
MARCOS CINTRA
Reeleição não faz bem à democracia nem à ética
De imediato, há que limitar as reeleições no Poder Legislativo e começar a pensar em acabar com a reeleição no Executivo
SEMPRE COMBATI a possibilidade de segundos mandatos consecutivos para os cargos Executivos. Se em outros países a reeleição funciona bem, o mesmo não se aplica ao Brasil. Nossas raízes históricas e culturais deveriam nos alertar contra qualquer tentativa de continuidade de poder. O caudilhismo latino-americano é uma ameaça sempre presente em nossas instituições políticas, associativas e até recreativas.
A tentação para mandatos sucessivos é irresistível, sobretudo em países como o Brasil, onde predomina o populismo e que conta com uma massa de eleitores com baixo nível de instrução e cultura participativa incipiente.
A aprovação do segundo mandato, que rompeu com uma das mais sólidas e duradouras tradições republicanas, foi um desserviço ao país. Foi aberta a porteira, e sabe-se que, "por onde passa um boi, passa a boiada". Agora começamos a pagar a conta dessa insensatez ao nos defrontarmos com a possibilidade de um terceiro mandato para Lula.
Não há justificativas para a continuidade de mandatos. Se o governo é bem-sucedido, que ele tenha prosseguimento com a eleição de candidatos governistas. É preciso evitar a personalização do sucesso, pois, em questões de governo, isso é sempre uma conquista coletiva, por maior que seja o carisma e a liderança do chefe.
No Brasil de Lula, isso é particularmente verdadeiro se verificarmos que o núcleo do sucesso dessa administração está exatamente na continuidade que foi dada às políticas econômicas e sociais responsáveis e consistentes iniciadas em gestões anteriores.
Em vários aspectos pode ter havido aperfeiçoamentos e mudanças de ênfase, mas não houve milagres no Brasil dos últimos anos, somente o amadurecimento das ações públicas e da sociedade.
Um corolário da premissa de que um mandato é sempre suficiente é que a política não deve ser profissionalizada. Em outras palavras, quando políticos tornam-se profissionais, os riscos de que eles adquiram vícios ligados ao exercício do poder se tornam enormes.
Uma pessoa que abandona sua atividade de formação e se torna um profissional na vida pública passa a depender das sucessivas reeleições para viver. Assim, torna-se capaz de tudo e de qualquer coisa para se eleger. Só assim essas pessoas sobrevivem política e economicamente. Aí está a origem do populismo, das negociatas, dos acordos financeiros, do tráfico de influência, das nebulosas razões dos financiamentos de campanha e da corrupção.
Não é possível negar que há indivíduos vocacionados para a atividade pública nem que existam políticos sérios e bem-intencionados. Mas essas pessoas poderiam continuar sendo úteis à sociedade mesmo com o instituto do mandato único.
Nada impede que participem de pleitos eleitorais sucessivos, mas em cargos diferentes, de forma a evitar a lassidão de princípios e de comportamentos que a permanência duradoura no poder quase sempre produz. A reeleição não faz bem à democracia presidencialista. Nem a primeira e muito menos outras seguintes.
Por essas razões é que defendo apenas um mandato. Mas não apenas no Executivo. Defendo o fim de reeleições em todos os Poderes, inclusive no Legislativo e no Judiciário. Mandatos vitalícios e parlamentares que permanecem interminavelmente em suas cadeiras legislativas precisam ser urgentemente questionados. Afinal, por que uma pessoa precisaria de décadas para trazer sua contribuição à sociedade?
O descalabro dos atos secretos no Senado, além da enxurrada de escândalos que abalaram a credibilidade do Congresso Nacional nos últimos anos, atestam essa urgente necessidade.
Mandatos sucessivos fazem nossos parlamentares sentirem-se confortáveis demais em suas cadeiras, confiantes demais na impunidade que o poder ainda concede a detentores de cargos públicos no Brasil. De imediato, há que limitar as reeleições no Poder Legislativo e começar a pensar em acabar com a reeleição no Executivo.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 63, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, é secretário municipal do Trabalho de São Paulo.
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