sábado, 25 de julho de 2009



26 de julho de 2009
N° 16043 - MOACYR SCLIAR


Arremessando o buquê

Anos atrás, o pessoal da Folha de S. Paulo me fez uma proposta surpreendente: escrever textos de ficção baseados em notícias publicadas no jornal.

Minha reação foi de espanto, mas não custava experimentar, e assim integrei-me a uma equipe de quatro escritores que deveria dar conta da tarefa. O que não aconteceu: ao cabo de poucas semanas, os três outros haviam desistido.

Um deles, o notável ficcionista carioca Sergio Sant’Anna (este sobrenome, pelo jeito, condiciona talentos...), disse-me que simplesmente não aguentava a ansiedade da dúvida: conseguiria ou não escrever a tal história?

Os editores perguntaram se eu continuaria sozinho. Respondi que iria tentar, sem muita esperança de êxito. Mas lá se vão 16 anos e continuo escrevendo semanalmente meus textos, reunidos em três livros, o último dos quais está sendo lançado pela Agir/Ediouro esta semana, sob o título de Histórias que os Jornais não Contam.

E é exatamente isso o que faço: buscar, atrás das notícias, a potencial ficção. Não é fácil. Jornais são publicações objetivas; dão prioridade a grandes temas, como política, economia, problemas ambientais, e só raramente incluem aquilo que os franceses chamam de faits divers, acontecimentos pitorescos ou insólitos – que, justamente por isso, inspiram as melhores histórias.

Mas eu vou lendo a Folha, tanto a impressa como a versão online, e lá pelas tantas algo aparece, algo curioso e revelador ao mesmo tempo, algo que gera uma história.

A notícia que escolhi esta semana é um exemplo disso. Aconteceu no interior da Itália. Numa pequena cidade realizou-se um casamento que, pelo jeito, deve ter sido inteiramente convencional, com uma exceção: o buquê seria arremessado, não da superfície da Terra em que a moça e os convidados se encontravam, mas de um avião, um pequeno monomotor contratado especialmente para isso.

Só que, claro, a noiva não poderia embarcar nesse avião, sobretudo sem o noivo, que certamente teria um ataque de ciúmes contra o piloto. Um amigo do jovem casal ofereceu-se para cumprir a tarefa. Mas a coisa terminou mal: o buquê (não me perguntem como, nem a notícia explica) caiu sobre a hélice do avião, que acabou tombando ao solo. O piloto escapou ileso, mas o diligente amigo teve fraturas nas duas pernas.

E isso nos faz pensar sobre os obscuros motivos que movem as pessoas, no caso a noiva. Será que, no fundo, ela não estava protestando contra o convencionalismo do casamento e de seus rituais? Será que ela não estava querendo, pela inovação, deixar sua marca na história dos matrimônios, na história da humanidade? Será que ela não estava em busca dos 15 minutos de fama aos quais, segundo Andy Warhol, todos nós temos direito?

Não sabemos. De qualquer modo, ela deveria ter tomado suas precauções, estudando, como a Nasa o faz, o lançamento do buquê. Sugiro que, no próximo casamento, se houver, ela não pense em monomotor.

Talvez uma nave espacial. Talvez um míssil. Ou talvez deva lançar o buquê como todas as noivas o fazem, pensando não na originalidade, mas na secreta ansiedade das amigas solteiras e casadoiras. Afinal, não só de tecnologia e progresso é feita a vida, mas também dos faits divers, depositários de nossas emoções.

Recebo do Dr. Walmor Piccinini, conhecido psiquiatra gaúcho, uma mensagem sobre a situação da gripe suína. Ele e a dra. Helena Schmid estão preocupados com o fato de que é preciso mobilizar a população para adotar medidas capazes de diminuir a propagação do vírus. Preocupação legítima, que obviamente transcende a divisão entre especialidades médicas.

Já a Neide Maria LaSalvia fala sobre o costume que têm muitos pais brasileiros de dar nomes complicados a seus filhos, o que os obriga a passar a vida toda soletrando os tais nomes. Bem pensando, Neide.

Agradeço as mensagens do Luiz Lucio Merg (que me cumprimenta pelo aniversário do Esporte Clube Cruzeiro!), do Rafael Anschau, do Abrahão Gontow, do Antonio Claudio Albernaz Cordeiro, do Matheus Bandeira de Carvalho, jovem e talentoso cronista.

“Sonhos libertos pairam no ar/ navegam luminosos até o infinito”. Luiz de Miranda em Monolítico.

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