quinta-feira, 30 de julho de 2009



30 de julho de 2009
N° 16047 - RICARDO SILVESTRIN


Escreviver

João Cabral de Melo Neto tinha mania de simetria. Quintana não acreditava em influência, mas em confluência. Jorge Amado não relia seus livros depois de editados porque tinha coisas mais interessantes para ler.

Esses são alguns dos depoimentos que estão na série de três volumes Viver e Escrever, reeditada pela L&PM. São entrevistas com vários escritores brasileiros, feitas pela também escritora Edla van Steen.

Cabral, o poeta, conta que alguns poemas criados em períodos anteriores a outros que ele editou antes ficaram de fora por não entrarem nos seus critérios de simetria. Ou seja, eram irregulares, não tinham uma constância de número de versos.

Esses assimétricos acabaram sendo reunidos mais tarde num único livro. O rigor formal do poeta, que salta aos olhos de quem lê sua obra, orientou até a aparente falta de critério de um volume. Ali, o critério era não ter critério.

Já Quintana dá uma boa redimensionada nessa ideia de influência. Aliás, a busca por fontes e influências esconde no fundo uma disputa pela hegemonia da Europa. Com a formação das nações modernas, depois de um tempo em que tudo era Império Romano, o continente viveu a tensão de saber quem é que mandaria por lá. Assim, afirmar que um escritor alemão deve algo a um inglês, ou um Francês a um italiano, equivalia dizer qual a nação mais poderosa.

Mas Quintana, que tinha como único confronto o de ideias, mostra que só somos influenciados por aqueles escritores com que já havia em nós algo parecido. Por isso, não se trata de influência, mas de confluência.

E Jorge Amado dá uma aula de humildade. Há coisas muito mais importantes para ele mesmo ler do que seus próprios livros. Creio que isso ocorra mais com os prosadores do que com os poetas.

Reler um romance inteiro, já se sabendo toda a história, é cansativo. Nunca reli o meu livro de contos, Play. Já os meus livros de poemas, sempre que os releio, eles me lembram que eu já soube fazer isso.

Posso tentar de novo. Outro dia, a poeta paulista Eunice Arruda, quando perguntada que conselhos ela daria para um poeta iniciante, respondeu que iniciante é todo poeta quando inicia escrever um novo texto. Somos sempre iniciantes.

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