sábado, 25 de julho de 2009



26 de julho de 2009
N° 16043 - MARTHA MEDEIROS


Eu não preciso de almofada

Quando participo de bate-papos públicos, geralmente em escolas, costumo ser perguntada sobre de onde vêm os assuntos para escrever uma crônica, e aqui está um bom exemplo do quão inusitado pode ser o caminho da inspiração: conversando outro dia sobre decoração de ambientes, um defensor da linha franciscana de morar me disse a frase que acabei de utilizar no título acima: “Eu não preciso de almofada”.

Ao escutá-lo, olhei para os lados, disfarçadamente. Estávamos cercados por mais ou menos 25 almofadas de todas as cores, tamanhos e origens. Na minha sala e escritório tenho quatro sofás (e mais dois na sacada) e todos eles são cobertos de almofadas indianas, nordestinas, uruguaias: minha casa é o albergue internacional das almofadas.

É só colocar o pé para fora de Porto Alegre e está feito: na bagagem, dobradinha, vem mais uma capa de almofada que trago do Rio, de Buenos Aires, de Gramado, de Fortaleza. É o que dispara meu lado consumista. Mas, claro, eu também não preciso de almofada.

Tampouco preciso de flores, mesmo que na minha casa nunca deixarão de ser encontrados ao menos três vasos com astromelias de cores variadas: amarelas, laranjas, fúcsias. E, no mínimo, duas orquídeas. Também gerânios que parecem pequenas margaridas. Alguns ficus, bromélias. E, quando o saldo da conta corrente permite, lírios brancos. Mas eu preciso de flores? Era só o que me faltava.

Também não preciso de tapetes. O fato de minha casa parecer uma loja turca é só para evitar desconforto aos que andam descalços. Não preciso de cortinas também, mas um dia encasquetei que a casa pareceria mais aquecida e acolhedora com elas, e aí gastei dinheiro bobamente com uns tecidos de linho cru e palha da índia. Frescura.

Também não preciso de música. Nem tenho lugar para guardar tanto CD. Coisa mais antiga, CD. Também não preciso de portarretrato, sei de memória o rosto das minhas filhas, mesmo o de quando elas eram crianças. Não preciso de castiçais, já que tenho energia elétrica.

Não preciso de estantes abarrotadas de livros, coisa mais inútil, e eles ainda acumulam pó. Não preciso de quadro: ninguém presta atenção mesmo e furar paredes é um troço que às vezes dá errado. Não preciso de esculturas.

Não preciso de abajur. Não preciso de espelhos. Não preciso de guardanapos de pano. Não preciso de toalhas estampadas. Não preciso de caixinhas compradas em feiras e briques. Não preciso de lembranças de viagem. Não preciso de lembranças. Não preciso de viagens.

E poderia prosseguir dizendo que não preciso de cor, não preciso de beleza, não preciso de sonho, não preciso de arte, não preciso de criatividade, não preciso de diversão, não preciso de prazer, não preciso de senso estético, não preciso de humor e também não preciso traduzir minha alma e minha história de vida em tudo o que me cerca. Mas isso equivaleria a dizer que eu não preciso de mim.

É isso, garotada. Até mesmo uma simples almofada pode gerar uma reflexão.

Ainda que com frio um domingo super colorido para você.

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