quinta-feira, 30 de julho de 2009



30 de julho de 2009
N° 16047 - PAULO SANT’ANA | LÉO GERCHMANN


Jeitinho do bem

Ah, quanto orgulho me dá ser interino do Sant’Ana, neste espaço sagrado que meu pai me ensinou a ler desde guri. Com tanto carinho que tenho pela coluna e pelo titular, não vou traí-lo. Seguirei sua linha editorial, que é a defesa independente e por vezes corajosa de teses que nem sempre seguem o senso comum – muitas vezes, são o seu avesso. Independência radical, portanto!

Assim sendo, arregaço as mangas, pigarreio e, ousado, mando ver: vou defender o malfadado jeitinho brasileiro. Não se trata, aqui, de justificar deputados que viajam a turismo com dinheiro público, senadores que fazem do gabinete uma permanente festa familiar, governantes que se envolvem em falcatruas e deixam o Estado à deriva para economizar alguns tostões ou empresários que enriquecem às custas da Viúva. Não, nada de afrouxar os padrões éticos. Não é isso.

Falo, sim, do azulzinho com quem conversei outro dia, em frente ao colégio onde estudam meus filhos. Que personagem! Quanto rigor! Entre outras pérolas, fiquei sabendo que, não bastasse multar pais que necessitam ficar em fila dupla dentro do carro por alguns minutos e o fazem com pisca ligado esperando que o filho, uma criança, entre no colégio, ele já autuou alguém que falava ao celular com o veículo estacionado. O motor estava ligado! Por isso, a infração.

A resposta dele: – É a letra fria da lei.

Saí daquela conversa convencido de que esses guardas de trânsito, cujos julgamentos são na prática definitivos, deveriam ter uma formação jurídica mais acurada, para saber que a letra da lei não pode ser fria, que a lei é apenas uma das fontes de quem aplica a Justiça. Nunca soube de alguém que tenha obtido sucesso em recursos à EPTC – claro, deve haver as exceções de praxe.

Quanto rigor! Quanto legalismo exacerbado! E o bom senso, onde fica?

Pois o jeitinho, tão difamado, é a alma brasileira que vai se esvaindo em um país cada vez mais regrado e sem graça. Como a energia nuclear, o jeitinho pode ser usado para o mal – mas também para o bem. Nossa vocação não é essa rigidez que nos violenta.

Aprendemos, com a ginga da nossa música e com o negaceio do drible, a ter maleabilidade quando a lei requer interpretação mais sensível.

Somos um povo afeito a resolver adversidades com criatividade, com malícia. E isso é necessariamente ruim? Que saudade da época em que o Rio era a referência cultural do país, o cartão-postal que se impunha, a malandragem do bem.

Agora, São Paulo tomou conta, com seu cimento incorruptível no mau sentido e aquele céu gris que nem os paulistanos aguentam mais. Faria um bem danado assumirmos nossos modos, que o diminutivo tanto desqualifica, mas que podem ser conduzidos para o bem. É tudo questão de jeito, ou de jeitinho.

E a tal da cordialidade, criticada com razão por Sérgio Buarque de Hollanda? Claro que ninguém quer saber do compadrio e da confusão entre público e privado, que só não são moda porque sempre existiram por aqui. Mas o brasileiro cordial pode ter essa sua característica preservada quando se fala em sorrisos abertos, hospitalidade e solidariedade. São coisas brasileiras. Do bem.

Vamos preservar o que temos de bom!

Isso tudo me remete ao livro que o talvez maior de todos nossos antropólogos escreveu: O Povo Brasileiro. Ali, Darcy Ribeiro desatou o nó do traço comum que faz do Brasil uma nação. Somos a mistura de brancos, índios, negros, europeus e demais etnias que se aprocheguem. Nada mais brasileiro que o Sertão!

Que a Bahia! Que a serra gaúcha! Que a Fronteira! Que o Bom Fim! Somos multifacetados, essa é a característica que nos une. Falta-nos, claro, resolver a desigualdade social, que gera esta violência cotidiana insuportável, este pouco valor à vida, este “não tô nem aí” geral. No mais, temos uma natureza própria, que, como diria o Gonzaguinha, é bonita, é bonita e é bonita!

Pensei também em escrever sobre outros temas que correm contra a maré. Sou contra o rebaixamento dos nossos times mais tradicionais (não me venham com a conversa de que são como empresas privadas.

Não são! Mexem com a paixão de milhões e deveriam ser tombados como patrimônio cultural! Mediocridade é começar o ano já pensando em não cair).

Sou contra campeonatos sem finalíssima (cadê o clima de decisão que forja os craques?). Sou a favor do politicamente correto (não é o que ensinamos aos nossos filhos?).

Aliás, nada mais politicamente correto, hoje, do que meter pau no politicamente correto. Contradição? Neste espaço onde se escrevem as teses mais corajosas, até a contradição cai bem.

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