sábado, 11 de julho de 2009



12 de julho de 2009
N° 16028 - PAULO SANT’ANA


O improviso do gênio

Certa vez, há muitos anos, em 1974, fui convidado às pressas para comparecer a um jantar no Restaurante Adega Espanhola, na Rua Andrade Neves. Quando lá cheguei, vi que a grande atração da noite era o gênio pajador do Rio Grande, Jayme Caetano Braun, que fez o seguinte improviso, mas improviso mesmo, avistando-me entre os convidados:

O silêncio já foi feito
E a garrafa não é canha,
É bala que me acompanha
Pois frouxa as mágoas do peito
E eu me sinto satisfeito
E confesso com orgulho
Eu não gosto de barulho
Nem de nada se mexendo
A não ser águas correndo
Nas sangas de pedregulho

Não sei nem como comece
Nesta noitada divina
Porque a emoção me domina
E o pajador se enternece
Mas o meu verso é uma prece
Nesta noite ainda guria
Eu cumpro esta liturgia
E estou de cabelo branco
Mas só firmo bem o tranco
Da meia noite pra o dia
E perdoe se eu me apresento
Neste jeitão atirado
Como um guacho desmamado
Que foi criado ao relento
Mas eu chego contra o vento
E vou cantando, pachola,
Como quem chega pra escola
Depois de uma féria grande
Neste galpão do Rio Grande
Que é a velha Adega Espanhola

Já cantaram os maiores
Com tanto brilho e cultura
Mas nunca com mais ternura
Que nos meus versos menores
Mas eu canto entre os melhores
E isso faço sem consulta
Canto pra gente tão culta
Porque sei que me quer bem
E aquele que dá o que tem
Não ofende nem insulta

Eu venho lá das Missões
Do lombo das sesmarias
Emendo as noites e os dias,
Os invernos e os verões
Emendo as quatro estações
E o peito não se ataranta
Porque o que sai da garganta
É pura rima baguala
E quando um gaúcho fala
É a terra chucra que canta

Não confundam pajador
Com poeta de gabinete
O pajador é um ginete
Que já nasce domador
Por isso aquele que pensa
Dê aos dois poetas o valor
Ao poeta e ao pajador
Não lhes tenha indiferença
Que o verso é um mal de nascença
Ao qual nada se compara
É mesmo assim que uma tara
Pelo de potro e de touro
Por isso é que um nasce mouro
E outro nasce malacara

Para nós, os pajadores,
Que andejamos os caminhos
O Deus que fez os espinhos
É o mesmo que fez as flores
Eu tive tantos amores
Porque a vida me foi grata

Eu não juntei muita prata
Mas digo de peito cheio
Não tenho marca de arreio
E nem arranhão de gata
Mas que dizer ao Sant’Ana
Este ilustre candidato
Neste lindo anfiteatro
Da velha terra pampiana
A gremista não se engana
Eu pajador abstêmio
Merecia ter um prêmio
Do velho pago querido
Sant’Ana como é sofrido
A gente torcer pelo Grêmio!

Não falo mais no Sant’Ana
Não falo mais em ninguém
Outros vão cantar também
Nesta noitada pampiana
Nesta noite brasiliana
Onde não estamos sós
Benditos tataravós
Do velho pago imortal
Que a trompaço de bagual
Fizeram o Brasil para nós

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