sexta-feira, 17 de julho de 2009



17 de julho de 2009
N° 16033 - DAVID COIMBRA


Amigo Norton

Durante anos, eu e o diagramador Norton Voloski trabalhamos lado a lado na redação da Zero. Estávamos quase sempre concentrados, eu nos textos, ele nos traços, mas volta e meia trocávamos algum comentário. O do Norton invariavelmente o mesmo:

– O mundo não é justo...Eu concordava: – Não é, Norton. Não é.

Mas o ser humano não cessa de buscar a Justiça debaixo do sol. Alguns cevam suas esperanças na religião. Quer dizer: as doenças, as intempéries, as maldades dos homens, os azares comezinhos, tudo isso pode ser corrigido por Deus, desde que o crente cumpra algumas premissas.

Antes do judaísmo, premissas bastante práticas e razoáveis: bastava oferecer um animal ou uma pessoa em sacrifício e, pronto, os desejos do suplicante seriam atendidos.

Porém, há cerca de três mil anos apareceram aqueles profetas hebreus. Amoz, Oseias, Isaías. Homens graves, prenhes de advertências e anátemas. O acesso à Justiça divina tornou-se mais restrito. Pela primeira vez na História, um ingrediente moral foi incluído na relação com a divindade. As boas ações seriam premiadas; as más, punidas.

Por que houve essa mudança? Porque, unificado pelo meu xará David, Israel enriqueceu sob seu filho Salomão, e a pobreza só existe se existe a riqueza. Os profetas, na verdade, eram políticos de oposição, angustiados com as diferenças de classes surgidas no reino que antes era apenas um ajuntamento de tribos. Isaías, o mais requintado deles, desenvolveu um discurso comunista, pró-reforma agrária:

“Vós sois os que consumistes a vinha. Os despojos dos pobres estão em vossas casas. Que quereis, vós que esmagais o meu povo e moeis o rosto dos pobres? Ai dos que ajuntam casa a casa, achegam campo a campo até que não haja mais lugar, de modo que habitem sós no meio da terra. Ai dos que fazem decretos injustos para arrebatar dos pobres do meu povo o direito!”

As maldições, no entanto, surtiram pouco efeito. Os ricos continuaram mais ricos, e os pobres mais pobres. O cristianismo resolveu em parte essa questão prometendo que a Justiça seria feita mais tarde, depois do passamento do crente, no Reino dos Céus, ao som de harpas e à temperatura de 15ºC. Mas ainda assim há quem não se contente com essa promessa de redenção tardia, que anseie pela Justiça aqui mesmo e agora. São os que, há mais ou menos 300 anos, acreditam nas Instituições.

A Democracia e a Lei, se é verdade que não são exatamente efetivos no combate às miríades de doenças e intempéries que se multiplicam e se renovam na Terra, deveriam regular as relações humanas e garantir uma sociedade digna inclusive para os que Isaías chamava de os pobres do meu povo.

Todos os dias, contudo, abro as páginas dos jornais e assisto aos noticiários das TVs, e lá está Sarney atrás do seu bigode, prometendo que não vai renunciar nem devolver o Maranhão; estão Lula e Collor dançando juntos, e parece bolero, parece que dizem te quero, te quero;

e há listas de centenas de atos secretos do Senado; e há escândalos no governo do Estado; e no do município há omissão; e então pergunto: como acreditar nas tais Instituições?

Não, não há como acreditar. Você está certo, amigo Norton: o mundo não é justo.

Nenhum comentário: