segunda-feira, 20 de julho de 2009



20 de julho de 2009
N° 16036 - LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


Inverno

Eis-nos, de repente, no inverno.

As nuvens baixas, de algodão sujo, levam-nos, filosóficos, a pensar na Eternidade. Ou num copo de vinho tinto.

Ademais, há as manhãs de bruma e os parques cristalizados pela geada. Há o satisfeito bater dos dentes, os gorros, os cachecóis e o infalível comentário acerca do frio.

No campo, o peão corre para o lado do fogo, aquenta o mate e conta histórias que julgou viver. Suas mãos empalmam com delícia a tepidez da cuia. No inverno, a verdade é apenas uma circunstância.

Na serra, o gelo traça brancas sinuosidades nas vidraças. Não há paradeiro: todo lugar é frio – exceto sob as mornas cobertas, sob os edredons alvíssimos.

Os caminhos das crianças que vão para a escola transformam-se num corredor polar. As mãozinhas ficam roxas, mas há a segurança da merenda, que assume contornos metafísicos de um mundo mais cálido e com maior futuro.

Os cães e os gatos sabem que, nesta estação, o calor dos seus corpos unidos é superior a qualquer disputa. É esse o calor que irá mantê-los vivos, prontos para as atávicas perseguições da primavera.

Sim, temos todo ano o inverno ao Sul, mas não acreditamos nele – haja vista as casas com janelas facilmente vencidas pelo minuano. O sábio francês Auguste de Saint-Hilaire, que nos visitou num junho do século 19, já se queixava das residências friorentas, onde as pessoas vagavam enroladas em poncho e assim comiam e assim dormiam.

Queixamo-nos muito – gaúchos queixam-se de tudo. É o melhor passatempo provincial. A queixa contra o inverno, contudo, é duvidosa. A alternativa – o verão, naturalmente – é a tragédia.

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