sábado, 18 de julho de 2009



19 de julho de 2009
N° 16035 - MOACYR SCLIAR


Qual é, mesmo, o sentido da vida?

Aos domingos, costumo caminhar pelo bairro. Como acontece com os caminhantes em geral, é um roteiro padrão: Protásio Alves, Parque Farroupilha, João Telles, Vasco da Gama (uma visita sentimental ao Bom Fim de minha infância), Cabral, Paulino Teixeira.

Que é, como muitas ruas de Porto Alegre, um lugar de contrastes. No lado direito de quem desce, belos edifícios, calçadas conservadas. No sombrio lado esquerdo, ao contrário, um longo muro, calçadas esburacadas, lixo na sarjeta.

Eu deveria preferir a direita (sem conotações políticas), mas uma das casas daquele lado é guardada por um enorme e assustador cachorro, que fica enfurecido quando eu passo e late sem parar.

Só para mim, aliás; já reparei que outras pessoas não o tiram do sono reparador. Ignoro a razão dessa ojeriza; talvez o bicho não goste do que escrevo, talvez seja contra a prática de exercício físico.

De qualquer modo, vou pela esquerda, o que significa, de algum modo, tomar conhecimento da realidade brasileira, nem sempre agradável e às vezes ameaçadora.

No domingo pela manhã, eu caminhava pela Paulino Teixeira, absolutamente deserta àquela hora, quando ouvi passos atrás de mim. Coisa que, convenhamos, sempre nos deixa apreensivos. Assaltos, mesmo num ensolarado domingo, não são raros em nossas cidades.

Mas eu não sairia correndo por causa disso; afinal, precisamos preservar nossa dignidade. Continuei no meu ritmo, preparado para enfrentar qualquer ameaça. Logo fui ultrapassado pela pessoa que vinha atrás.

Não era um assaltante, isso logo ficou claro. Tratava-se de um rapaz de classe média, decentemente vestido, e carregando um saco plástico – com compras, talvez. Tudo bem, portanto, mas aí aconteceu algo surpreendente. O jovem emparelhou comigo e, sem me olhar, disse:

– Doutor Scliar, o senhor que é uma pessoa sábia, me diga: qual o sentido da vida?

Lendo esta frase, vocês talvez pensem que se tratava de uma pergunta bem- humorada. Este é o problema do texto: omite coisas, como, por exemplo, o tom de voz. E o tom de voz com que foi feita a indagação estava longe de ser jocoso. Era um questionamento dorido, amargurado, tão amargurado que me deixou estarrecido e consternado.

A reação normal seria responder de forma casual, convencional; mas, talvez pelo fato de ter sido chamado de doutor, senti que essa não seria a maneira mais humana de se conduzir naquela situação. O que eu deveria fazer era estabelecer um diálogo com o desconhecido: eu não sei qual o sentido da vida, mas vamos conversar, talvez possamos em conjunto achar uma resposta.

O problema é que não sou um caminhante muito rápido, pelo menos não tão rápido quando o era o jovem. No minuto seguinte, ele já estava longe, e sem resposta para sua pergunta, se é que queria mesmo uma resposta, se é que não queria apenas desabafar.

Eu poderia correr atrás dele, mas acho que não funcionaria. Provavelmente pensaria em assalto, sairia numa corrida desabalada. Mesmo sem saber qual é, afinal, o sentido da vida, as pessoas precisam salvar suas próprias vidas.

Grande frase: comentando uma crônica que escrevi, sobre o ato de lavar as mãos (muito necessário nesta época de gripe), diz Maria Morales H. Dias, fazendo uma conexão com o papel do político: “Nele, a mentira não é apenas parte do protocolo social, mas método de trabalho, de rapinagem; o lavar as mãos, mais do que ação higiênica, é o ato cínico de um pilatos imoral”.

Agradeço também as mensagens de Maria Maronez C. Chaves, de Mauro Duarte (excelente articulista), de Heitor M. de Lima, de Alberto Oliveira.

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