segunda-feira, 13 de julho de 2009



13 de julho de 2009
N° 16029 - SERGIO FARACO


No tempo do mil-réis

Vasculhando a gaveta das antiqualhas encontro duas plaquetas publicadas em Alegrete há quase um século. A primeira traz a Lei 197, de 31 de dezembro de 1925, que orça a receita e fixa a despesa no município.

A segunda é o Ato 187, de 2 de março de 1926, expedido pelo intendente, que dá instruções para a execução da lei do orçamento. Aquele intendente chamava-se Oswaldo Aranha.

Não sei ao certo como esses recuerdos do pago vieram dar na minha gaveta. Imagino que me foram presenteados por algum familiar, pois pertenceram a meu avô. Nas capas, há uma anotação: “Ao sr. Brás Faraco”. Também não sei se chegaram às mãos dele como homenagem ou intimação. Nos termos da dita lei, a Alfaiataria Brás Faraco deveria recolher 250 mil-réis de imposto no exercício entrante.

E assim outros negócios da época: armazéns de gêneros coloniais, escritórios de operações bancárias, casas de pasto, charqueadas, tavernas, mercadinhos e por aí afora. A receita orçamentária também previa a facada em ferreiros, carpinteiros, mecânicos, seleiros, funileiros, tamanqueiros e encadernadores, num rol de ofícios que hoje quase não existem mais.

O minucioso rigor do fisco parecia ter altos fins: de uma Receita Ordinária de 746 contos de réis, quase 50 por cento seriam gastos em 1926 nas rubricas Instrução Pública e Melhoramentos Materiais.

Com um pouco de imaginação pode-se ler a Lei 197 como quem vê um filme antigo, e ultrapassadas as cenas em que o mil-réis é o ator principal, tem-se ainda o edificante episódio das Disposições Transitórias, onde o artigo 4º autorizava o intendente a cravar 10 por cento de multa nos impostos do contribuinte em cuja propriedade fosse encontrada uma criança sem escola. Já o ato 187 era tão vigilante que sapecava uma multa no coveiro.

Outro encanto das plaquetas é a linguagem ainda não saturada pelos estrangeirismos e tecnicismos da modernidade. Em certos momentos, lembra os relatórios do prefeito de Palmeira dos Índios ao governador de Alagoas, nos anos 1929-30. Aquele prefeito chamava-se Graciliano Ramos.

Bons tempos, os de 1926.

No Alegrete da Livraria Parahiba, da Casa Recurso dos Pobres, do Colégio Alphomega, da Relojoaria Omega e do Cinema Ipiranga, era o tempo das vitrolas ortophonicas, da pasta de dente Oriental, das camisas de zephir, do tônico Iracema, do sabão Sapindo e da famosa pomada Midy para hemorróidas, mas se o problema era tosse, Bromil, e o xarope Roche para as bronchites e os catarrhos mais rebeldes.

Nos anos seguintes a vida mudou no mundo inteiro, com a quebra da bolsa de Nova York e a ascensão do nazifascismo, e no Brasil com a crise do café e outra revolução. Em Alegrete mudou menos.

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