quarta-feira, 22 de julho de 2009



22 de julho de 2009
N° 16038 - DAVID COIMBRA


A compra de um só botão

Um dia, minha avó saiu de casa para comprar um botão. Um único botão. Minha avó era assim, mobilizava-se para comprar um só botão, comprava-o e voltava para casa. Ou então ia ao súper e de lá trazia uma maçã solitária, uma minúscula caixa de fósforo, um pãozinho de nada. Gostava de ir ao supermercado, verdade.

Era um passeio para ela. Ia e retornava narrando as delícias das amostras-grátis, comentando horrorizada quanto havia aumentado o preço do açúcar. Mas também é verdade que essa prática fazia parte do método que minha avó desenvolveu para economizar. Comprando aos poucos, ela comprava menos. Funcionava. Recebia uma pensão de meio salário mínimo e ainda assim sempre tinha dinheiro. Mais do que eu.

Uma época, não essa época em que ela saiu de casa para comprar tão-somente um botão, outra época, uma época em que eu trabalhava na Sulina, nessa época a Sulina concedia-nos vales às sextas-feiras. Uma maravilha.

Passava o fim de semana abastecido de notas de 50, podia pagar jantares e cinemas para eventuais namoradas. O problema é que na segunda-feira os recursos já tinham se evanescido, e na sexta seguinte lá ia eu pedir vale de novo e no dia do pagamento, maldição!, o salário vinha desse tamanhinho. Então, andava sempre duro, durango kig. Num desses dias de dureza, almoçava na casa da minha avó e me queixava das parcas condições financeiras. Ela disse:

– Eu resolvo isso, David.

E tirou de uma estante uma latinha e abriu a tampa da latinha e lá de dentro puxou um maço de notas amarradas em atilho e me estendeu:

– Ó. Recuei: – Não, vó!!!

Não ia pegar o dinheiro que minha avó economizava comprando um botão de cada vez. Como naquele dia em que ela saiu de casa junto comigo para comprar aquele único botão. Estávamos na casa dos meus pais no Parque Minuano e eu devia ter, sei lá, uns cinco anos, faz tempo, mas não me esqueci do que aconteceu.

Lá fomos nós, eu levado pela mão dela, caminhando devagar entre as ruas modorrentas do bairro. Fomos a uma vendinha. Dessas que ainda há no subúrbio, com uma caderneta onde o dono da venda anota o fiado dos fregueses. Minha mãe ia quase todos os dias a essa vendinha e registrava suas compras na caderneta. Uma tarde, saindo do lugar com a minha mãe, perguntei:

– Não tem que pagar? Ela: – Não. É só botar na caderneta.

Fiquei encantado. Todos os acepipes e guloseimas que rebrilhavam nos balcões de vidro da venda estavam ao meu alcance. Bastava que anotasse na caderneta. No dia seguinte, reuni meus amigos. Uns 15 ou 20.

– Vamos todos pra vendinha! – gritei. – Hoje tem bala e chocolate de graça pra todo mundo!

Fomos. Fizemos um rancho de Choco Branco e Preto e Diamante Negro, balas Gasosa, Quebra-queixo e Sete Belo, Beijo de Moça e Beijo Africano, Amor Carioca e Sonho de Valsa. Minha mãe só não foi à falência porque o dono da venda desconfiou e a avisou. Ela conseguiu recuperar a metade dos doces e os devolveu, para a consternação da turma.

Era nessa mesma caderneta mágica que a minha avó pretendia anotar a compra do único botão que ela pretendia adquirir naquele dia. Então, chegamos à vendinha e deu-se o seguinte diálogo. Minha avó para o bodegueiro:

– Quanto é o botão? O bodegueiro: – Cinquenta centavos.

– Cinquenta centavos?!? – É. – Muito caro!

– Mas custa cinquenta centavos. – Então não vou levar! E a minha avó saiu da vendinha sem o botão que queria comprar. No caminho de volta, levantei o queixo e questionei:

– Vó, cinquenta centavos não é barato? Ela, olhando para frente: – Não para um botão. – Por que não?

– Mais tarde, quando crescer, tu vais aprender o que é caro e o que é barato.

Detestava quando um adulto fazia isso, quando não me explicavam as coisas e diziam que eu ia aprender ao crescer. Mas, de fato, aprendi. Às vezes, algo custa 50 centavos e é caro. Às vezes custa milhões, e é barato.

Quinze milhões por um centroavante como Nilmar, por exemplo, é tão barato que podia ser anotado numa caderneta de vendinha lá do bom e velho subúrbio do Parque Minuano.

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