terça-feira, 21 de julho de 2009



21 de julho de 2009
N° 16037 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Pane no computador

Meu computador mergulhou de novo em nocaute. Um fio, uma tomada, um circuito – não sei qual deles – entrou em queda livre e interrompeu o diálogo dos delicados mecanismos da máquina. Convoquei experts de minha agenda de pronto socorro, mas nenhum deles mostrou-se capaz de penetrar no mistério da pane. Fato que me levou a algumas reflexões baldias.

Em 1964, eu estava no segundo ano do Curso de Direito. De repente, o que até a véspera eram solidíssimas verdades ruiu por terra. O que eu aprendi sobre a Constituição, as leis, a democracia, as liberdades individuais e coletivas, a soberania do povo exercida pelo voto, ou virou pó, ou transformou-se num arremedo de instituições. Os novos donos da República cassavam, prendiam, exilavam, proibiam, calavam, sem que poder algum fosse capaz de contrastar a sua força.

Essa ditadura, que fez de minha geração um sanduíche, se repete hoje, guardadas as proporções, na opressão da tecnocracia. Tudo começou com um pacote pedagógico encomendado do Primeiro Mundo, onde já estava abandonado por se ter provado inservível.

O predomínio da educação humanística – em cuja receita entravam a Filosofia e o Latim – cedeu lugar ao ensino especializado. Isso quer dizer que um estudante que lidasse com Física, Química ou Matemática estava absolvido de se preocupar com matérias como a Sociologia ou o Francês.

As escolas começaram a fornecer diplomas a especialistas em minúcias, e todo um imenso legado de humanismo foi para o brejo. Um projeto de médico radiologista ou de engenheiro eletrônico já não precisava saber quem fosse Sócrates, Platão ou Aristóteles.

Ao mesmo tempo, prefeitos e governadores não necessitavam perder o sono por causa de votos, e quando o Parlamento não era submisso o bastante havia uma solução simples: fechá-lo.

O que isso tem a ver com os piripaques não consertados de meu computador? Muito. Quando a formação ensina como ver as árvores, mas não a floresta, qualquer desafio à inteligência e à criatividade esbarra no obstáculo das receitas não decoradas.

Um parafuso fora do lugar transforma-se no desafio da Esfinge: decifra-me ou devoro-te. Raciocinar torna-se um luxo. Uma pane que fuja às normas conhecidas converte-se num enigma insondável. Em outras palavras, as pessoas andam esquecidas de pensar.

Uma ótima terça-feira para você especialmente minha amiga

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