quinta-feira, 23 de julho de 2009



23 de julho de 2009
N° 16039 - L.F. VERISSIMO


Acreditar no Natal

Ouvi que, de acordo com uma convenção internacional, nos chuveiros a torneira de um lado é sempre a da água quente e a do outro, logicamente, a da água fria. Mas nunca me lembro quais são os lados. Não usam mais os velhos “Q” e “F”, imagino, para não discriminar os analfabetos, nem as cores vermelho para quente e azul para fria, para não discriminar os daltônicos. Mas e nós, os patetas?

Também precisamos tomar banho, mas estamos condenados a sustos constantes ou a demorada experimentação até acertar a temperatura da água que queremos.

Isso quando os controles não estão concentrados numa única supertorneira de múltiplas funções, na qual você pode escolher volume e temperatura com uma combinação de movimentos sincronizados, depois de completar um curso de aprendizagem do qual também sairá capacitado a pilotar um Boeing.

A verdade é que existe uma conspiração para afastar do mundo do consumo moderno as pessoas, digamos, neuronicamente limitadas. Na maioria dos casos, as instruções para uso são dirigidas a pessoas normais, com um mínimo de acuidade e bom senso - quer dizer, são contra nós!

Mas eu já me resignara a não saber programar o “timer”, ou sequer saber o que era um “timer”, do videocassete, ou a jamais usar a tecla “Num Lock” com medo de trancar todos os computadores num raio de um quilômetro, e já decidira resistir ao telefone celular e a todas as suas múltiplas tarefas (é verdade que já existe um modelo em que se pode escolher, ou ele psicanalisa você ou recomenda um pai de santo?) desde que me sentisse confortável no mundo que eu dominava. Como, por exemplo, no chuveiro.

E então a modernidade chegou às torneiras, e “quente” e “frio” também se transformaram em desafios intelectuais. “Quente” é a da esquerda e “fria” é a da direita, é isso? Ou é o contrário? É uma conspiração.

Escolada

Da série “Poesia numa hora dessas?!”

“’Lua, lua...’

disse o poeta,

procurando uma rima,

uma frase,

uma imagem.

‘Ai meu santo’

disse a Lua, escolada.

‘Lá vem bobagem.’”

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