segunda-feira, 8 de dezembro de 2008


MOACYR SCLIAR

O mortífero celular

Antes que fizesse qualquer coisa, Tony já tinha lhe metido três balas na cabeça; Cipriano caiu sem um gemido

Máfia italiana "disfarça" arma em formato de celular. A polícia italiana descobriu na semana passada um aparelho celular que, na verdade, é uma arma calibre 22. O "telefone-arma" tem a capacidade para quatro balas, e foi apreendido com gângsteres da máfia italiana, em Nápoles.

Segundo a polícia, o telefone se transforma em arma ao deslizar o teclado; um toque em uma tecla específica faz a bala disparar. "É a primeira vez que uma arma desse tipo foi apreendida. Isso mostra a sofisticação tecnológica. Os mafiosos estão transformando a criminalidade", disse um porta-voz da polícia italiana. Folha Online

OS DOIS ERAM mafiosos, os dois eram jovens e ambiciosos, os dois eram conhecidos pela astúcia e pelo temperamento violento. Tony "Raivoso" e Cipriano "Escorpião" se odiavam.

Um havia jurado matar o outro. Mas a ambos repugnava pagar um assassino para fazer isso; ambos queriam, eles próprios, fazer justiça, como diziam, com as próprias mãos. Cara a cara.

O que seria difícil. Encontravam-se freqüentemente, em geral num pitoresco restaurante onde ambos costumavam almoçar ou jantar. E aí conversavam cordialmente, como se fossem bons amigos. Mas, claro, um estava observando o outro.

Se Tony levasse a mão ao bolso interno do paletó, Cipriano já estaria com a automática na mão, pronto para disparar. Portanto, evitavam fazer qualquer gesto suspeito. Mas tinham a certeza que um dia, o inimigo descobriria um jeito de empunhar uma arma sem cha- mar a atenção.

Foi então que Tony ficou sabendo do telefone-arma, que estava sendo usado por gângsteres em Nápoles. E estremeceu: em matéria de astúcia, de traição, aquilo era a obra-prima.

Com todo mundo usando celular, quem desconfiaria desse truque? Naquela noite, não dormiu. Tinha certeza que, assim como soubera da notícia, Cipriano também já estava informado acerca do telefone-arma.

Provavelmente já tinha o seu. E isso era para ele, Tony, uma ameaça terrível. Com esse alerta muito presente, dirigiu-se, ao meio-dia, para o restaurante, esperando que Cipriano não estivesse lá.

Mas Cipriano estava lá, e recebeu o desafeto de maneira surpreendentemente amável e até carinhosa.

Porque tinha uma novidade para contar: acordara no meio da noite com uma certeza: estava na hora de dar um fim àquela rivalidade, aquele ódio. Por que não se uniam, os dois, e seus grupos? Unidos, seriam imbatíveis. Tony não estava de acordo?

Desconfiado, Tony disse que sim, que aquela era uma boa idéia, impregnada, inclusive, de espírito natalino. Se você concorda, disse Cipriano, radiante, vou avisar minha gente agora. E tirou do bol- so o celular.

Antes que fizesse qualquer coisa, Tony já tinha lhe metido três balas na cabeça. Cipriano caiu sem um gemido.

Tony apanhou o celular. Não era uma arma, era um celular mesmo, dos antigos. Cipriano morrera por equívoco. Mas Tony não admitiria seu erro. O culpado de tudo era o próprio Cipriano.

Que história era aquela de, subitamente, falar ao celular? Bem que ele poderia ter recorrido a outro método para avisar seus homens. Pombo-correio, por exemplo. Mesmo porque o pombo, como se sabe, é o símbolo da paz.

MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha

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