segunda-feira, 6 de dezembro de 2021


04 DE DEZEMBRO DE 2021
MARCELO RECH

O absurdo do absurdo

Mesmo que ansiadas por contribuintes desamparados pela inércia estatal, emendas parlamentares são uma excrescência da democracia brasileira. Parlamentares são eleitos para levantar, discutir, propor e examinar leis, assegurando o arcabouço jurídico que dá sustentação ao Estado de direito. Pois numa invencionice tipicamente tupiniquim, as tais emendas parlamentares nasceram, cresceram e se converteram no principal instrumento de cooptação do parlamento pelo governo.

Esqueça o mensalão, a mesada que o governo Lula entregava a deputados para aliciar votos na Câmara Federal na primeira metade dos anos 2000. O clientelismo, essa praga ancestral da política brasileira, atende hoje pelo nome de emendas ao orçamento - a possibilidade de parlamentares distribuírem recursos públicos a seu bel-prazer, longe daquela chatice de prioridades coletivas.

As emendas são uma tripla distorção. Em primeiro lugar, confiscam a responsabilidade do Executivo - esse sim eleito para administrar o orçamento a partir de um programa avalizado nas urnas. Em segundo lugar, apequenam o papel do parlamento, que deveria ser a caixa de ressonância dos grandes temas nacionais e não uma quitanda de interesses paroquiais. E, em terceiro, mas não por último, o uso do dinheiro de impostos para angariar votos aniquila o conceito de igualdade que deveria presidir o processo eleitoral.

Temos hoje no Brasil dois tipos de candidatos a parlamentos: os que já estão nos cargos e se valem de emendas para reforçar sua reeleição e aqueles em desvantagem que aspiram um assento só com a força das ideias. Há um terceiro, faça-se justiça: alguns raros parlamentares que repelem a prática - e são tachados de bobos e demagogos pelos demais.

Agora, chegamos ao absurdo do que já era absurdo: emendas secretas do Congresso, nada menos do que R$ 36 bilhões em três anos, empregados como moeda de troca pelo governo Bolsonaro em um mensalão recauchutado. Diante da esdrúxula opacidade na aplicação do dinheiro púbico, o STF decidiu, em um raio de sanidade sobre as verbas oficiais, vetar o sigilo das emendas e requerer a óbvia transparência sobre quem pegou, quando, quanto e para onde foi a dinheirama.

Topamos então com o absurdo do absurdo do absurdo. As cúpulas do Congresso avisaram o STF que não revelarão donos e destinos das emendas porque não há registro sobre elas. Quando algo não tem explicação é porque não quer ou não pode vir à tona. A desfaçatez, portanto, só guarda uma justificativa. Tem truta aí, e da grossa. E, mais dia ou menos dia, vai acabar explodindo em um novo escândalo.

MARCELO RECH

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