quarta-feira, 1 de dezembro de 2021


01 DE DEZEMBRO DE 2021
OPINIÃO DA RBS

PARA JAMAIS ESQUECER

Há tragédias que são fruto do acaso, quando fatores imprevisíveis e incontroláveis impõem dor e sofrimento a pessoas e a comunidades. No dia em que se inicia o julgamento do processo da boate Kiss, uma certeza é inquestionável: as mortes de 242 jovens que só queriam festejar a vida, mas nunca mais voltaram para casa, poderiam - e deveriam - ter sido evitadas. Uma sucessão de omissões, descuidos e descasos será, a partir de hoje e pelas próximas duas semanas, relembrada diante de um júri que se reúne quase nove anos depois do incêndio que abalou o Rio Grande do Sul, o Brasil e o mundo.

A demora para iniciar o julgamento, que deve ser o mais longo da história do Estado, é apenas mais um dos ingredientes a serem lamentados nesse enredo triste, que deixará marcas para sempre em quem perdeu familiares e amigos naquela noite de janeiro, em Santa Maria. Espera-se que, nestes dias históricos, com as atenções nacionais voltadas para a Capital, o júri de sete membros composto para delimitar culpas e inocências cumpra com o seu papel, que não é condenar ou absolver, mas sim fazer justiça.

Nos próximos dias, o país acompanhará, a partir do Foro Central I, em Porto Alegre, os depoimentos de testemunhas, de sobreviventes e dos quatro réus, além dos debates e argumentações da defesa e da acusação. Se há algo positivo a destacar na nefasta morosidade para se chegar a uma decisão, é a possibilidade de lembrar, com detalhes, o que de fato aconteceu. Se as rememorações são doloridas, mais ainda é o esquecimento.

Mas, acima de tudo, de hoje em diante, a memória dos que foram e a dor dos que ficaram merecem respeito, carinho e o consolo, sempre insuficiente, de que a tragédia que ceifou tantas vidas deixará lições e evoluções, como a lei que tornou mais rígida e eficaz a prevenção contra incêndios.

Do caso Kiss emerge uma outra inquietação. A de que, muitas vezes, as responsabilidades difusas dificultam a penalização dos culpados. Punir os responsáveis não é um ato de vingança, mas um imperativo da convivência social, onde a pena tem a função também de dar exemplo à sociedade e de buscar a recuperação dos eventualmente culpados. Mas essa é uma área em que o Judiciário deve se pronunciar. É o que espera uma sociedade ainda machucada pelas cenas de horror que percorreram o mundo a partir da madrugada do dia 27 de janeiro de 2013. Que o desfecho do julgamento iniciado hoje não signifique o esquecimento, mas sim a lembrança perene do que, diante de tantas perdas irrecuperáveis, ainda pode ser salvo: o sentimento de que, ao fim, fez-se a justiça possível. 

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