01 DE DEZEMBRO DE 2021
DAVID COIMBRA
Sobre a entrevista de Lula
Preciso falar sobre a entrevista que Lula concedeu ao Atualidade, da Gaúcha, ontem. Não exatamente acerca do conteúdo do que foi dito, que ali não houve nada de surpreendente. Mas estava curioso para saber qual será a estratégia que Lula vai utilizar na campanha, e nisso o programa me satisfez plenamente.
Porque Lula apresenta inúmeros pontos fracos. Por mais que o establishment político tenha se esforçado para desmoralizar a Lava-Jato, o esquema orgânico e profissional de corrupção montado entre governos, partidos e empresas ficou sobejamente comprovado.
Como Lula se confrontaria com essa realidade, quando em debate público? Era o que me perguntava. E a resposta foi clara: Lula não se confrontou com realidade alguma. Quando a Rosane, o Staudt e a Giane faziam qualquer questionamento, ele não se explicava; ele dizia o que queria. E encompridava de tal maneira o raciocínio e o enchia de tantos apostos e promessas, que tornava impossível ao entrevistador voltar ao tema que não ficara bem esclarecido.
Essa não é uma estratégia inventada por Lula, obviamente. Muitas velhas raposas da política a empregaram. O especialista nesse tipo de manobra era Leonel Brizola. Era impossível fazer com que ele dissesse algo que não queria dizer.
Maluf também era ótimo nisso. Era até mais sofisticado. Ele tinha uma memória prodigiosa e sabia o nome e o histórico básico de cada jornalista que o entrevistava. Sua tática em entrevistas coletivas foi usada depois por Vanderlei Luxemburgo quando técnico da Seleção Brasileira: no começo das coletivas, ele dava uma resposta engraçadinha. Algumas pessoas riam. Mas, numa das perguntas subsequentes, Maluf desancava o repórter. Em geral, a pergunta não tinha nada de especial ou ofensiva, mas a resposta era dura, quase insultuosa. O clima na coletiva ficava tenso. Então, Maluf fazia nova piada. Todos riam, aliviados. Pronto, ele dominara a plateia e os perguntadores.
Lula não usa a agressividade como estratégia. Ele usa um discurso bem-ensaiado, que ressalta seus presumidos predicados e abafa seus presumidos defeitos, uma oratória que se derrama como uma torrente verbal nos ombros do interlocutor e ocupa todos os espaços.
Já houve mais desses políticos manhosos no Brasil. Escreverei a respeito de alguns deles, nos próximos dias. Por ora, fico pensando no quão divertidos serão os debates eleitorais no ano que vem. Até agora, os concorrentes que se desenham são Lula, Bolsonaro, Moro, Ciro e Doria. Desses, Moro é o menos experiente politicamente, mas ele é também um especialista em Lula e Bolsonaro. Se tiver eloquência e coragem, poderá ser um adversário temível para os dois. E Ciro, com sua agressividade? E Doria, com sua malícia?
Assistiremos aos debates como assistíamos na mais emocionante eleição brasileira de todos os tempos, a de 1989: como se fossem finais de um campeonato de futebol. Será interessante, não há dúvida. Mas que possamos tirar disso algo de bom para o Brasil, por amor de Deus.
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