03 DE ABRIL DE 2021
DRAUZIO VARELLA
A PANDEMIA FUGIU DO CONTROLE, E SÓ PODEMOS CONTAR COM NÓS MESMOS
Os brasileiros decretaram o fim da pandemia em novembro do ano passado. Os bares lotaram, havia multidões nas praias, famílias reunidas no Natal e no Ano-Novo, festas clandestinas à luz da noite espalhadas pelas cidades, Carnaval. A justificativa para esse comportamento estúpido era a de que ninguém aguentava mais ficar em casa.
Em janeiro, chegaram as férias. Os hotéis dos recantos turísticos voltaram a receber hóspedes, as ruas das metrópoles se encheram de gente aglomerada sem máscara e de ônibus e trens superlotados pelos que não tinham alternativa senão trabalhar.
Alheio a tudo, o presidente da República passeava de jet ski, cumprimentava admiradores e posava sem máscara para selfies, o Ministério da Saúde distribuía o kit covid, deputados e senadores tentavam aprovar uma emenda à Constituição para livrá-los da prisão em flagrante e faltava coragem à maioria de governadores e prefeitos para decretar medidas rígidas de afastamento social.
Os médicos, os sanitaristas e os epidemiologistas que alertavam para as dimensões da tragédia em gestação eram considerados alarmistas e defensores de interesses políticos escusos.
Deu no que deu: 300 mil mortos, hospitais com UTIs sem leitos para oferecer aos doentes graves, milhares de pacientes morrendo à espera de uma vaga.
O que acontecerá nas próximas semanas? Chegaremos a 400 mil mortes?
Os hospitais brasileiros estão em colapso. Os infectados foram tantos que abrir mais leitos em UTI é enxugar gelo. Os gestores investem em equipamentos e profissionais para abrir vagas que serão ocupadas em menos de 24 horas.
O número de óbitos em casa e nas unidades básicas de saúde despreparadas para o atendimento é enorme. Os estoques de medicamentos para a sedação dos doentes entubados chegam ao fim. Começam a faltar até corticosteroides e anticoagulantes, medicações de baixo custo que o Ministério da Saúde não se preocupou em adquirir.
As vacinas perderam o timing para conter a escalada atual. Ainda que fosse possível vacinar todos os brasileiros neste fim de semana, as mortes continuariam a se suceder da mesma forma, pelo menos durante o mês de abril e uma parte de maio.
Vejam a situação de São Paulo, o Estado que conta com o sistema de saúde mais organizado do país. No pico da primeira onda, dispúnhamos de cerca de 9 mil leitos de UTI; agora temos 14 mil, lotados. No dia 17 de março, havia pelo menos 1,4 mil pessoas à espera de internação em UTI.
O maior complexo de saúde do Brasil, o Hospital das Clínicas, recebia, em fevereiro, a média de 56 pedidos de internação; nos últimos sete dias antes de eu escrever esta coluna, foram 364, dos quais 110 estavam em estado grave por outras doenças e 254 por covid.
Se esse é o panorama no Estado mais rico, caríssima leitora, dá para imaginar o caos no resto do país?
Parece que nossos dirigentes despertaram para as dimensões da tragédia que se abateu sobre nós. Empresários e economistas enviaram um recado duro ao presidente, pena que tardio. O ministro da Economia reconheceu que sem vacinação a economia não se recupera. Só agora percebeu? Por que não disse nada em julho, quando nos foram oferecidos os 70 milhões de doses da vacina da Pfizer que o Ministério da Saúde rejeitou? Receio de magoar o chefe?
O presidente da Câmara declarou que "tudo tem limite" e que apertava "o botão amarelo". Amarelo, excelência? Enquanto 300 mil famílias perdiam entes queridos, o sinal estava verde?
Deprimente ver os malabarismos circenses do novo ministro da Saúde, ao justificar que ficava a critério da liberdade milenar do médico prescrever o tratamento precoce com drogas inúteis. Como assim, ministro? Enquanto a medicina foi praticada como o senhor defende, os colegas que me antecederam receitavam sangrias e sanguessugas.
Finalmente, sob pressão, o presidente convocou os três Poderes para um convescote político, com o pretexto de criar um comitê para gerir a crise sanitária. Incrível, não? Imaginar que uma equipe comandada por ele será capaz de nos tirar dessa situação é acreditar que mulher casada com padre vira mula sem cabeça.
A consequência mais nefasta de tantos desmandos, caro leitor, foi a de que a epidemia fugiu do controle do sistema de saúde. Daqui em diante, só podemos contar com nós mesmos.
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