segunda-feira, 26 de abril de 2021


26 DE ABRIL DE 2021
DIÁRIOS DO MUNDO

O pior lugar do mundo hoje

Se você for infectado pelo coronavírus e precisar de atendimento médico, não há leitos nos hospitais, onde ambulâncias e riquixás chegam a todo momento, trazendo pacientes com dificuldades para respirar. Se tiver a sorte de conseguir ser atendido, ficará em uma maca ou cadeira no corredor de um centro médico. A probabilidade de faltar oxigênio e medicamentos é alta. Essa é a situação na Índia.

Não é possível medir o sofrimento humano. A Itália viveu seu pandemônio há um ano. Há coisas feias também por aqui, na América Latina. Corpos ficaram apodrecendo nas ruas de Guayaquil, no Equador, em 2020, porque o sistema funerário entrou em colapso. Manaus ficou sem ar. E, em Porto Alegre, em março, tive um amigo com covid-19 que, em um sábado à noite, com o oxímetro marcando abaixo de 92%, saiu para procurar uma emergência, bateu em dois hospitais e não recebeu atendimento.

Mesmo assim, a Índia, arrisco dizer, vive o pior dos mundos: com todas essas realidades somadas. Ontem, o país viveu o quarto dia de recorde consecutivo de novos casos de covid-19: foram 349 mil infectados em 24 horas. No total, desde o início da crise, foram 16,9 milhões de doentes, com 192,3 mil mortos.

Há provavelmente o risco da subnotificação - centenas de corpos que sequer receberam atendimento médico são transportados para campos de cremação coletivos. Ou seja, não entram na conta oficial.

Não é de agora que a Índia encara sua realidade de país pobre, em desenvolvimento e com uma superpopulação de 1,4 bilhão de habitantes. No início da pandemia, o governo do conservador Narendra Modi tentou implementar o maior lockdown do mundo. Mas, a confirmar que essa medida extrema não pode ser aplicada como uma receita de bolo a servir para qualquer ocasião diante da covid-19, a ação gerou um fenômeno reverso incomum na Índia: um êxodo de pessoas que ganhavam o pão na informalidade nas megalópoles, como Nova Délhi e Calcutá, regressando em massa para o interior. Não funcionou.

O mais paradoxal de tudo é o fato de que a Índia é um dos países fabricantes de vacina - o Instituto Serum é o laboratório responsável por produzir doses do imunizante de Oxford/AstraZeneca importadas pelo Brasil e por outras dezenas de nações. Também é conhecida como farmácia do mundo, por sua capacidade de fornecer vacinas e medicamentos genéricos. Agora, padece. Além do imunizante de Oxford, produz milhões de doses da Covaxin, mas, embora exporte seu produto, não consegue que eles atinjam os braços dos indianos. O país aplica apenas 10,03 doses por cem habitantes, segundo o ranking da Universidade de Oxford (o Brasil, ontem, registrava 17,75 doses por cem habitantes).

Há várias hipóteses para a catástrofe indiana. O desmonte dos centros provisórios passada a primeira onda é um deles. O governo de Modi relaxou as medidas de isolamento depois do fracasso do lockdown e, por sua vez, a população também baixou a guarda. O próprio sistema de saúde indiano, desde o início, apresentava déficit, e não havia planos de investimentos imediatos. Some-se a isso, a exemplo do Brasil, um território e uma população à mercê do coronavírus, que se tornaram laboratório vivo de novas variantes. No caso indiano, a B.1.617, mais transmissível e já detectada em Europa, Austrália, África e EUA. Ou seja, a tragédia indiana não é apenas um problema indiano. Mas de todos nós.

RODRIGO LOPES

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