sábado, 10 de abril de 2021


10 DE ABRIL DE 2021
MARCELO RECH

Estatísticas torturadas

Como quase tudo no Brasil passou a ser examinado por lentes polarizadas, assiste-se por aqui a um espetáculo de tortura de estatísticas sobre a covid-19 conforme o canto do corner ideológico. Números deveriam ser cartesianos, mas no caso da pandemia há poucos aspectos definitivos.

Em primeiro lugar, o cotejo puro e simples de estatísticas entre países serve apenas como uma referência. A incidência de variantes mais contagiosas e letais, a idade média da população, a densidade demográfica, o grau de testagem, os indicadores de comorbidades e as subnotificações dificultam comparações simplistas.

A ciência tem um caderno de dúvidas a esclarecer pelos próximos anos, mas ainda assim algumas questões são cristalinas. A primeira delas: rankings absolutos ofuscam comparativos. É o caso do número de mortos e de vacinação. Ao despontar com mais de 4 mil mortos diários por covid, o Brasil vive a maior calamidade de sua história, mas não é o país com maior mortalidade no momento. O trágico título cabe à Hungria, com 2,43 mortos por 100 mil habitantes nos sete dias prévios. 

A taxa brasileira era de 1,35 morto pela doença por 100 mil habitantes, em um nada tranquilizador sétimo lugar, ainda mais se levada em conta a proporção de idosos, mais vulneráveis à covid, na população. A idade média na Hungria é de 43 anos, contra 33 no Brasil. Por outro lado, o Brasil é mesmo o quinto país que mais aplicou vacinas, mas nem de longe, como o governo quer fazer crer, disputa a liderança do ranking de imunização, medido pelo percentual de vacinados. Na verdade, o Brasil luta para ficar entre os 50 que, proporcionalmente à população, mais imunizaram contra a covid.

Outra conclusão que agora parece óbvia: é temerário fazer análises definitivas em quadros provisórios. A Suécia, que já fora apontada como referência mundial de contenção do vírus sem adotar grandes restrições, exibia na última semana 51 casos diários por 100 mil habitantes, o 14º mais alto no mundo e quase cinco vezes mais do que a vizinha Noruega, de condições sociais e demográficas similares.

O Uruguai é outro triste exemplo de análises afoitas. Nos primeiros meses da pandemia, nosso estimado vizinho era apontado como exemplo de controle do vírus, mas agora chegou ao topo do ranking mundial: registrou na sexta-feira a média de 93 casos diários por 100 mil habitantes nos sete dias prévios (o Rio Grande Sul tinha 37/100 mil, também muito alto).

Como de hábito, os alemães cunharam uma palavra para definir o que pode ter assolado o Uruguai: Pandemüde, a junção de pandemia com cansaço, um terreno fértil para que novas variantes se espalhem e se somem ao trágico coquetel de irresponsabilidade e imprevidência que abre caminho para o vírus. De definitivo, resta o tripé que comprovadamente curva as estatísticas para baixo: vacinação em massa, distanciamento social e uso de máscaras eficazes por todos.

MARCELO RECH

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