sexta-feira, 23 de abril de 2021


23 DE ABRIL DE 2021
INFORME ESPECIAL

Bolsonaro, a cúpula do clima e os tratores

Joe Biden se elegeu presidente da maior potência econômica do planeta falando em energia verde e em preservação ambiental. Se fosse brasileiro e fizesse as mesmas promessas de acabar com os combustíveis fósseis e cuidar da Amazônia, teria sido carimbado de comunista, não por meia dúzia, mas por milhões.

Biden pode ser qualquer coisa, mas nunca foi e nunca será um inimigo do capitalismo. Ao contrário. É cada vez mais evidente que, para sobreviver, o regime que reconhece a relevância do mercado necessita, literalmente, de oxigênio. Por isso, precisa se reinventar.

Joe Biden, anfitrião da Cúpula do Clima, é um político tradicional, que há décadas circula pelos gabinetes de Washington. Tem apoio de grandes corporações e amigos nas Forças Armadas. Mas compreendeu que cuidar do planeta não é uma questão ideológica, mas sim uma imposição para que os negócios prosperem. É pragmatismo puro, na medida em que a temperatura do planeta sobe e os consumidores estão dispostos a pagar mais por serviços e produtos comprometidos com a sustentabilidade. Para isso, a Amazônia é fundamental, como símbolo de uma perspectiva de futuro para a Terra e para a humanidade.

Nesse contexto, é curioso observar como o discurso ambiental perdeu espaço nas campanhas eleitorais no Brasil. Até mesmo Marina Silva, que chegou a empunhar essa bandeira, baixou o tom e a frequência da voz. Essa é mais uma das consequências da polarização. Os brasileiros caíram na armadilha: olham para a árvore, esquecem da floresta. Enquanto isso, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, dá gargalhadas. Bate boca com a cantora Anitta pelo Twitter, atrai para si todas as atenções, como se a sua eventual queda fosse resolver uma questão bem mais complexa do que uma troca de peças no tabuleiro do poder.

Na década de 1990, o jornalista Diego Casagrande e eu entrevistamos, na TVCOM, o então todo-poderoso ministro das Comunicações Sérgio Motta, um dos principais articuladores de Fernando Henrique Cardoso. Na arquitetura política de então, Motta era o encarregado de distribuir bordoadas aos adversários de FHC. Por isso, tinha um apelido específico. Perguntamos a ele como se sentia sendo chamado de "trator?. Serjão nem piscou: "Eu sou trator, mas quem bota a gasolina é o presidente", respondeu. Brasília abriga uma frota de tratores de esteira, aqueles usados para desmatar. Todos com os tanques cheios.

TULIO MILMAN

Nenhum comentário: