terça-feira, 20 de abril de 2021


20 DE ABRIL DE 2021
DAVID COIMBRA

O que mostra toda a festa para Roberto Carlos

Bonitas todas essas homenagens ao Roberto Carlos pelos seus 80 anos. Bonitas, bonitas. Porque o Brasil tem o hábito iconoclasta de destacar os defeitos de seus grandes personagens. É algo mesquinho, pequeno, que fala mais do analista do que do analisado. Se existe tanta coisa boa a ressaltar, por que lembrar do que é ruim?

Tempos atrás, quando eu ainda morava nos Estados Unidos, estava dentro de um Uber dirigido por um motorista do Malawi e ele perguntou de onde eu vinha. Quando respondi que era brasileiro, o homem exclamou:

- Roberto Carlos! The king of Brazil!

Fiquei orgulhoso porque ele conhecia o Rei.

Ninguém canta como Roberto Carlos. Ninguém. É o maior intérprete do Brasil. O maior poeta? Belchior. O maior letrista? Caetano Veloso. O maior compositor? Tom Jobim.

Mas, como músico não é como cavalo de prado, que um tem de ser o primeiro, outro o segundo, acrescente, entre os maiorais, Chico e Gil.

Li aquele livro do Paulo Cesar Araújo, Roberto Carlos em Detalhes, que inexplicavelmente foi censurado pelo próprio Roberto. Digo que a censura foi inexplicável porque o livro é uma homenagem de um fã devotado. O amor de Araújo por Roberto se derrama de cada página.

Araújo conta, por exemplo, que os compositores brasileiros corriam para mostrar a Roberto suas novas músicas, na expectativa de que uma delas fosse gravada no tradicional disco de Natal. Ser gravado por Roberto era ganhar na loteria. Houve quem comprasse casa com o dinheiro dos direitos autorais de uma única canção.

Luiz Ayrão contou, uma entrevista, que um dia foi à casa de Roberto para lhe mostrar algumas músicas. Mostrou uma; Roberto não gostou. Mostrou a segunda; Roberto também não gostou. A terceira: nada feito. Luiz Ayrão já estava ficando sem músicas para apresentar, quando alguém avisou que Roberto estava sendo chamado ao telefone. Ele foi atender e Ayrão ficou dedilhando o violão e cantando uma música que ainda não estava pronta:

"Olhe aqui

Preste atenção

Essa é a nossa canção".

Roberto Carlos tapou com a mão o bocal do telefone e avisou:

- É essa. Essa eu vou gravar!

E Nossa Canção se transformou no primeiro sucesso romântico do Rei.

Quer dizer: ele sabia o que estava fazendo, sabia o que queria, sabia onde pretendia chegar. É a excelência do intérprete unida à sabedoria na administração da própria trajetória.

Assim foi Pelé. Pelé tinha uma meta na vida, e a alcançou. Era um tipo de junção da vontade de Cristiano Ronaldo com o talento de Messi.

Pelé, Roberto Carlos. Reis. O Brasil produziu esses fenômenos, o Brasil deve se orgulhar deles. Eles eventualmente cometeram seus erros? Claro que sim, não seriam humanos se não tivessem cometido. O que importa é que seus acertos foram muito maiores. Por isso, a festa pelo aniversário de Roberto Carlos foi bonita. O Rei do Brasil está de parabéns. E seus súditos também.

DAVID COIMBRA

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