22 DE ABRIL DE 2021
DAVID COIMBRA
Meu cachorro
Fiquei sabendo, dia desses, que o Cabo Rusty morreu. Isso a Globo não mostrou, nem qualquer outro grande canal de TV ou jornal ou rádio. Descobri a notícia quase que por acaso, por uma dessas informações que circulam na rede. Fui confirmar se era verdadeira, a rede é inconfiável, e, de fato, foi-se o Cabo Rusty, aos 77 anos de idade. Viveu seus últimos dias no esquecimento e na pobreza e foi enterrado como indigente.
Entristeceu-me saber desse desfecho da vida do Cabo Rusty. Ele foi um personagem da minha infância. Se você é jovenzinho e não sabe quem foi o Cabo Rusty, conto a história dele. Os pais do pequeno Rusty foram chacinados por índios e ele se tornou órfão. Como as autoridades não localizaram seus parentes, ele foi adotado pelo exército americano e se criou no famoso Forte Apache. Foi assim que, com menos de 10 anos de idade, ele já era cabo.
Mas o importante da história nem era o Cabo Rusty, era seu bicho de estimação, o bravo e leal cão pastor-alemão chamado Rin Tin Tin. Se houvesse algum homem mau por perto, o menino gritava:
- Aiô, Rintin!
E o cachorro pulava no peito do malfeitor, rosnando e mostrando os dentes de navalha.
Essas histórias, que via ainda em preto e branco na TV, me fizeram sentir apreço especial pelos cães pastores-alemães. Sempre quis ter um. Nunca tive. Uma pena, acho que combino com um pastor-alemão. Imagino nós dois, eu e meu fiel cão, andando lado a lado pelas ruas, orgulhosos, de queixo e rabo erguidos. Eu o levaria pela coleira, é claro, mas, se a tirasse, nem assim ele se afastaria de mim, a não ser que eu mandasse.
Minha ideia, desde pequeno, era chamar meu cão pastor de Kaiser, por causa dos imperadores alemães. Você sabe: Kaiser, bem como Czar, vêm de "César", o título adotado pelos imperadores romanos a partir de Augusto, o primeiro deles.
Meu cachorro seria, portanto, um imperador de quatro patas. Um césar romano, um kaiser alemão, um czar russo, um Adriano brasileiro. Mas o surgimento da cerveja banalizou o nome, então decidi chamá-lo de Murder ou Killer. Não que meu cachorro fosse matar alguém, nada disso. São apenas nomes para impor respeito.
Agora, se algum bandoleiro ou sicário ou bolsonarista ou lulista se aproximasse, tentando fazer maldades, como falar do mito ou do pai dos pobres, eu bem poderia gritar:
- Aiô, Killer!
E ele pularia no peito do malfeitor.
Ah, eu e Killer formaríamos uma dupla harmônica, perfeita, que seria reconhecida nas ruas. "Lá vai o David Coimbra com seu inseparável Killer", diriam. Seria lindo.
Mas não tenho pastor-alemão, Rin Tin Tin decerto já morreu e seu feliz dono, o Cabo Rusty, também. Que fazer? A vida é assim. Você sempre é menos do que queria ser.
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