sábado, 17 de abril de 2021



17 DE ABRIL DE 2021
CLAUDIA TAJES

Pobre de espírito não lê

Faz tempo que eles tentam, não que eu saiba quem são eles. Se economistas, fizeram uso de livros. Se funcionários de carreira, quais sejam, também não deveriam desprezar os livros. Se analistas, gestores, administradores, até mesmo militares, é lamentável que pretendam acabar com um mercado inteiro para botar as contas em dia. O que, diga-se, não é assim que vão conseguir.

De uma coisa dá para ter certeza: professores não são. Independentemente de um ou outro dar aulas sobre investimentos por aí.

Que eu lembre, começou no atual governo, quando o sinistro Paulo Guedes quis acabar com a isenção de PIS e Cofins para o mercado editorial. O aumento de cerca de 12% no preço do livro seria repassado, óbvio, para o consumidor. As editoras já trabalham no limite, não teriam como absorver o custo. Foi a primeira vez que se ouviu a justificativa estapafúrdia de que o livro pode ser caro, já que só a elite compra.

Na ocasião, viralizou uma foto do sinistro, também conhecido como ex-Posto Ipiranga, diante da sua própria estante vazia de volumes e ideias. E tudo fez sentido. É do ser humano considerar dispensável aquilo que não lhe apela. Aqui em casa, por exemplo, ninguém vai encontrar cinzeiros, a discografia do cantor Latino ou um três-oitão. Não nos faz falta.

Mas ninguém imagine que o Guedes não pensou nos menos favorecidos ao propor a taxação do livro. Jamais. Palavras dele: "Vamos dar livros de graça para o mais frágil, para o mais pobre". Pode não ser o livro que o pobre gostaria, mas quem se importa? Em lugar de Pequeno Manual Antirracista, da Djamila Ribeiro, a vida e obra da Damares. Em lugar de Vista Chinesa, da Tatiana Salem Levy, a Bíblia com prefácio do ministro Kassio Conká. Vai ler e não reclama, pobre.

A proposta do sinistro veio na carona das medidas pensadas para a reforma tributária, lá por agosto de 2020. Acredito que, devido às reações que provocou, não se falou mais nela. Assim como não se falou em taxar fortunas e grandes empresas, como Biden anunciou que fará nos Estados Unidos, aumentando também os investimentos públicos em infraestrutura. O bom de dizer isso aqui é que ninguém pode me acusar de estar passando adiante preceitos comunistas, já que a ideia foi do Biden, não do Putin.

Pois bem. Na semana passada, a reforma tributária voltou à pauta, e quem apareceu de novo? A taxação de livros.

Segundo a Receita Federal, famílias com renda de até dois salários mínimos só consomem livros didáticos. Os livros de ficção e outros seriam exclusividade das famílias com renda acima de 10 salários mínimos. O que não fecha nesse raciocínio é que os livros didáticos serão taxados também, o que faz a suposta preocupação com os mais vulneráveis parar no mesmo lugar em que uma medida dessas deveria estar: a lata de lixo.

Nos capítulos anteriores: a lei que começa a diminuir os impostos sobre impressos vem lá da Constituição de 1946, por emenda apresentada pelo então deputado Jorge Amado. Sim, ele mesmo. Jorge Amado, o escritor. Ali ficou consagrada a isenção de impostos para o papel utilizado na impressão de livros, jornais e revistas. A Constituição de 1988 estendeu a isenção também para os livros, jornais e revistas já impressos. Mais tarde, a isenção do PIS e Cofins permitiu a redução do preço final do livro pelos anos seguintes. Isenção essa que agora pode cair por conta da avaliação preconceituosa, para não dizer o mínimo, da atual equipe econômica. Pobre não lê.

Só para fins de comparação, até dá para entender. Quando o livro passou a ser considerado um bem digno de ser protegido, Jorge Amado era deputado federal. Hoje temos na Câmara, entre tantos outros, Flordelis, apresentadores ignorantes de TV e um dos filhos do homem, que adora posar com biografia de torturador.

Não é só pelos 12%. É pelo que isso diz sobre o país que nos tornamos.

A foto que ilustra a coluna mostra o seu João Carlos dos Santos, que se alfabetizou aos 70 anos, realizando o sonho de comprar seu primeiro livro. Pois é. Para relembrar, a matéria toda está aqui: gzh.rs/livrosjoao.

CLAUDIA TAJES

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