AMAI-VOS OU ARMAI-VOS?
Em tempos de normalidade já seria absurdo intercalar um "r" para transformar o "amai-vos uns aos outros" dos Evangelhos naquele truculento "armai-vos" contido em quatro decretos do presidente Bolsonaro. Em plena pandemia, os decretos ressoam num tom fúnebre com rastro sinistro.
Por isto, exalto a decisão da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal, ao suspender partes de quatro decretos do presidente Jair Bolsonaro que facilitavam a compra e uso de armas e munições. Com a discrição que a caracteriza, sem alardes propagandísticos, a ministra evitou o que poderia ser o grande semeador da violência no Brasil. Um dos pontos agora suspensos permitia que adolescentes com 14 anos praticassem "tiros desportivos", talvez o detalhe mais brutal dos decretos presidenciais.
Criaríamos assim uma escola paralela, educando para a violência e para a morte, nunca para o amor e a vida. Além disso, os decretos ora suspensos davam às armas e munições um "status" fundamental, facilitando armar-se e municiar-se indefinidamente. Seria transformar o lar num arsenal, com a vida em família em plano inferior.
Os ditos "caçadores desportivos" iriam adquirir um lugar de "relevo" na sociedade, quando - de fato - se dedicam a extinguir a fauna silvestre. No Rio Grande do Sul, a dita "caça desportiva" (em que matar "é um prazer") está proibida por decisão judicial há anos. Não fosse a suspensão de dias atrás, os decretos presidenciais gerariam, aqui, intermináveis questões em juí- zo, travando ainda mais o lento aparelho judicial.
Os decretos retiravam do comando do Exército e da Polícia Federal todo o poder de controle sobre armas e munições, detalhe que também se suspendeu agora.
Em suma, "armar-se" já não será amar-se.
A suspensão parcial dos decretos sobre as armas foi o ponto de partida para Bolsonaro afirmar que "irá surgir um problema sério com o Supremo Tribunal", como disse nas habituais bravatas que faz a apoiadores à saída do Palácio da Alvorada. Antes, o ministro Marco Aurélio Mello alertou que o presidente ameaça usar as Forças Amadas contra governadores adeptos do isolamento social. E a ministra Carmen Lúcia decidiu examinar as denúncias de que Bolsonaro praticou "atos de genocídio" contra indígenas durante a pandemia.
Este "é o problema sério com o Supremo", como diz o presidente, numa linguagem que lembra tosca intromissão na independência do Judiciário. Será o "armai-vos" substituindo o "amai-vos uns aos outros"?
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