A vitória dos feios
Sócrates era um homem feio. Há um busto dele num museu italiano. Seus traços definitivamente não são gregos. Tem a cara redonda, a cabeça calva e um nariz batatudo, traços que não aparecem em outras estátuas que reproduzem personagens da época.
Sua feiura era mítica em Atenas. Diziam que, um dia, ela lhe teria salvo a vida. É que Sócrates era também soldado, com participação bem-sucedida em diversas batalhas. Ele era hoplita, soldado da infantaria pesada do exército ateniense. Portava um grande escudo, uma espada e uma lança. Era acostumado à dura luta corpo a corpo e admirado por sua coragem.
Pois uma vez ele se viu em um difícil combate contra os espartanos na Guerra do Peloponeso. Os espartanos, você sabe, viviam para a guerra. Eles treinavam desde a primeira infância para lutar, eram soldados profissionais, não exerciam outra atividade, como os gregos de outras cidades.
Você viu o bom filme 300, sobre a Batalha das Termópilas? Numa cena, os 300 guerreiros do rei Leônidas, de Esparta, se encontram com alguns milhares de homens de uma cidade aliada. O comandante desses guerreiros olha para o pequeno grupo liderado por Leônidas e se espanta:
- Eu trouxe mais soldados do que você!
Leônidas não responde diretamente. Apenas aponta para um dos soldados da cidade aliada, perguntando a seguir:
- Qual é a sua profissão?
- Ceramista, senhor - responde ele.
Leônidas aponta para outro:
- E a sua?
- Ferreiro.
Outro ainda:
- E a sua:
- Oleiro, senhor.
Depois, vira-se para seus próprios soldados e pergunta:
- Espartanos! Qual é a sua profissão.
E eles, erguendo as lanças, gritam como se fossem um só homem:
- Arru! Arru! Arru!
Leônidas, então, olha para o general aliado e conclui:
- Viu, velho amigo? Eu trouxe mais soldados do que você.
Os espartanos eram assim. O negócio deles era a guerra. Eram feitos para o conflito e a luta. Por isso, naquela batalha da Guerra do Peloponeso, eles foram aos poucos batendo os atenienses, até que sobrou um único hoplita na resistência: Sócrates. Estavam prontos para massacrá-lo, quando ele tirou o elmo e os encarou, rosnando, furioso. Ao verem a carantonha de Sócrates, provavelmente tornada ainda mais feia pela raiva e pelo esforço do combate, os bravos espartanos recuaram e fugiram para a segurança de seu acampamento.
Uma imperfeição, digamos assim, de Sócrates, salvou sua vida. O relato pode ser exagerado, pode ter sido um único espartano que fugiu ao ver sua aparência assustadora, mas a verdade é que o que era considerado defeito foi seu grande trunfo. Assim como ora ocorre conosco, todos os que temos ou tivemos alguma doença importante na vida. Chamavam-nos de "comórbidos", esses que "treinam" em academias. Era o que diziam de nós: "Aí vai um comórbido". E agora nos vacinaremos antes deles. Você está vivo, venceu uma doença. E, por isso, evitará outra. É assim a vida, meu amigo: o que era um mal anteontem pode ser um bem amanhã.
DAVID COIMBRA
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