28 DE ABRIL DE 2021
PRIVATIZAÇÃO DE ESTATAIS
Venda da Corsan avança com primeira vitória na Assembleia
Numa sessão tensa e sob efeito da pressão da bancada governista pelo retorno das aulas presenciais na rede educacional do Estado, a Assembleia Legislativa aprovou ontem o fim da exigência de plebiscito para privatização da Corsan, do Banrisul e da Procergs. A medida, chancelada por 33 votos a 18, ainda precisa ser apreciada em segundo turno pelos deputados, mas o placar abre caminho para o Palácio Piratini preparar a venda da estatal de água e saneamento.
A proclamação do resultado foi cercada de confusão. Após o encerramento da votação, o placar anunciado inicialmente, de 33 a 19, foi corrigido para 34 a 18 porque o voto de Dirceu Franciscon (PTB), antes computado como contrário pela assistência, havia sido favorável. Quase três horas mais tarde, porém, a Assembleia acabou anulando o voto de Neri, o Carteiro (SD). Ele participava de forma remota da sessão e o áudio falhou no momento da coleta dos votos, mas a posição dele, a favor da PEC, acabou sendo computada por mímica pela Mesa Diretora. Houve protestos da oposição e, à noite, o voto acabou anulado.
De autoria do deputado Sérgio Turra (PP), a proposta de emenda à Constituição (PEC) deve voltar a plenário em 11 de maio. O fato de o Piratini ter conseguido número minimo de votos exigido, 33, pode indicar riscos de um futuro revés. A mudança no sistema de distanciamento controlado, anunciada durante a sessão pelo governador Eduardo Leite, foi fundamental para a vitória.
Desde a noite de segunda-feira, o governo enfrentava um ensaio de insurgência na base por causa da polêmica em torno da volta às aulas. Na véspera da votação, a maioria dos deputados acompanhou a sessão do Tribunal de Justiça que, por decisão unânime da 4ª Câmara Cível, manteve o veto às aulas presenciais durante vigência da bandeira preta no Estado.
Irritados com a derrota judicial e a postura considerada tíbia do governador, alguns parlamentares mostraram indisposição em votar a PEC caso não houvesse mudanças permitindo o funcionamento das escolas. Interlocutores do Piratini identificaram pressão partindo sobretudo de aliados com histórico de rebeldia às orientações do governo, como Any Ortiz (PPS), Paparico Bacchi (PL), Fran Somensi (Republicanos) e Franciane Bayer (PSB). Mais explícita, a cobrança partiu também dos dois integrantes do Novo, Fábio Ostermann e Giuseppe Riesgo.
Com medo que o movimento se alastrasse pela base, ainda na noite de segunda-feira Leite decidiu convocar reunião para a manhã seguinte. Por volta das 7h30min, ele convidou os presidentes da Assembleia, Gabriel Souza, e da Famurs, Maneco Hassen, além do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo. Por quase duas horas, eles conversaram sobre alternativas que possibilitassem o retorno dos estudantes aos colégios.
Repercussão
Somente à tarde, em meio à votação, Leite divulgou o vídeo no qual anunciou que o Estado estava entrando em bandeira vermelha, liberando aulas presenciais. Também marcou para 10 de maio o fim do atual modelo de distanciamento controlado. No plenário, a repercussão foi imediata.
- Isso cheira a negociata, negociata para derrubar o plebiscito da Constituição em troca da mudança de critério das bandeiras para possibilitar uma abertura irresponsável das escolas - atacou Luciana Genro (PSOL).
Enquanto os oposicionistas se revezavam ao microfone e os governistas preferiam o silêncio, o Piratini fazia contas. No MDB, maior bancada aliada, havia duas defecções: Patrícia Alba e Tiago Simon. No PSL, Capitão Macedo afirmou que votaria contra. No DEM, Thiago Duarte também. Para não correr riscos, o PP enquadrou Issur Koch, que pretendia votar contra, e antecipou em três dias o fim da licença de saúde de Ernani Polo, recuperado da covid-19.
Um dos raros aliados de Leite a usar a tribuna, o líder do governo, Frederico Antunes (PP), disse que a PEC somente dispensava o plebiscito, sem permitir a venda imediata da Corsan. Antunes, porém, fez questão de salientar que uma edição extra do Diário Oficial colocaria o Estado em bandeira vermelha.
De nada adiantaram as cobranças da oposição, lembrando a promessa feita por Leite na eleição de 2018, quando garantiu que não privatizaria a Corsan e o Banrisul. Quando o placar eletrônico anunciou o resultado, começava a cair a última exigência de consultas prévias a população antes da venda de estatais - em 2019, a Assembleia já havia retirado a imposição para a CEEE, CRM e Sulgás. O mapa de votos demonstrou que a vitória de Leite só veio graças ao apoio do Novo, bancada independente que vive às turras com o governo.
- Cobramos uma sinalização concreta sobre a revogação da bandeira preta para imediata volta às aulas. Diante do compromisso firmado pelo governo em editar novo decreto ainda hoje (ontem), nos sentimos mais confortáveis para votar a PEC - disse Ostermann.
O Piratini já trabalha também na etapa seguinte. Nos próximos dias, chega à Assembleia um projeto de lei autorizando o Estado a vender a Corsan. Serão necessários 28 votos favoráveis.
FÁBIO SCHAFFNER
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