03
de outubro de 2013 | N° 17572
L.F.
VERISSIMO
Os de
26/9
A
gente tem um certo carinho pelo próprio aniversário. Afinal, é a data do nosso
começo. Mesmo que não interesse a mais ninguém, nos interessa profundamente.
Mesmo que não signifique nada, pra nós significa muito, pombas. Sou de 26 de
setembro, e andei pesquisando para saber quem fomos e quem somos, os de 26/9, e
o que mais aconteceu de importante nesse dia.
Descobri
que T.S. Eliot, Martin Heidegger, o papa Paulo VI, George Gershwin e Gal Costa
nasceram na mesma data, que também é o dia da independência da Nova Zelândia –
o que nos leva a imaginar como seria, ignorando-se a disparidade cronológica,
uma reunião desta turma.
Que
bem poderia acabar com o papa dançando com a Gal uma composição do Gershwin ao
piano enquanto Eliot e Heidegger trocam ideias sobre a decadência do Ocidente.
Mas também descobri que em 26 de setembro morreu o Walter Benjamin.
Benjamin
demorou para fugir da França ocupada pelos nazistas. Foi internado pelos
alemães, finalmente conseguiu um visto dos americanos e rumou para a fronteira
com a Espanha.
Sua
passagem pela fronteira seria tranquila, mas, por uma pequena questão
burocrática, foi adiada para o dia seguinte e o grupo de Benjamin teve que
dormir na pequena cidade de Portbou, ao pé dos Pirineus. Naquela noite, 26 de
setembro de 1940, Benjamin se matou com uma overdose de morfina.
Nunca
ficou claro por que Benjamin demorou tanto para tentar escapar e por que se
suicidou. Ele tinha escrito que viera ao mundo “sob o signo de Saturno, o astro
com a rotação mais lenta, o planeta dos desvios e dos atrasos”. Susan Sontag,
num ensaio sobre Benjamin (intitulado “Sob o signo de Saturno”), escreveu que
ele era dominado pela melancolia e que tinha o pendor da personalidade
saturnina pela solidão.
Mas
a sua era uma solidão ativa e desafiadora, que tanto lhe permitia ser um
observador cosmopolita, um “flaneur” como Baudelaire, outro melancólico em
movimento e um dos seus heróis intelectuais, como rejeitar algumas das
ortodoxias marxistas dos seus pares na escola de Frankfurt. Pode-se especular
que, frustrado pelo adiamento na fronteira, enojado pelas indignidades
acumuladas que sofrera e doente, Benjamin tenha apenas se negado mais vida e
optado por outro tipo de fuga.
Segundo
Sontag, ele se considerava um tipo em extinção. Achava que tudo que ainda havia
de valor no mundo era o último exemplar, como o surrealismo, que era a última
expressão, apropriadamente niilista, da inteligência europeia. Deixou
incompleta a sua maior obra, sobre as “arcades”, as galerias de Paris, que
chamava de a capital do século 19.
A
capital de um mundo que – talvez tenha pensado, antes da morfina – terminava
ali. Em vez de outro refugiado na América, preferiu ser também o último
exemplar da sua espécie. O ponto final de uma certa Europa.
Roberto
Calasso conta, no seu livro Os Quarenta e Nove Degraus, que Hannah Arendt
procurou em vão pela sepultura de Benjamin no cemitério de Portbou, que
descreveu como um dos mais belos que já conhecera. Hoje a sepultura existe. O
interesse de turistas era tão grande, que o cemitério providenciou uma com o
nome dele. O lugar é bonito, diz Calasso, mas “a sepultura é apócrifa”. Ninguém
sabe onde Benjamin está passando o seu exílio definitivo.
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