sábado, 25 de março de 2017


25 de março de 2017 | N° 18802 
DAVID COIMBRA

A franja do galã


Já tive franja. Meu cabelo era liso e claro, me sentia meio que um galã. Natural. Galãs, obviamente, têm franja. Ou topete, que é uma franja empinada. James Dean usava um topete vistoso, Elvis também. Marlon Brando? Topete, topete.

No Brasil, tivemos dois reis de verdade, e não me refiro aos Pedros, refiro-me a Edson e Roberto. Pois Edson, em seus tempos de soberano, mesmo com o cabelo que chamavam pixaim, cabeceava a bola com um topete. E Roberto, quando cantava Detalhes, fazia-o sob suave franja.

Detalhes, aliás, você perceberá que é uma maldição, se prestar atenção à letra. Não adianta nem tentar me esquecer, diz ele à ex-amada. O que pode ser pior do que não esquecer? Desgraçado de quem não esquece.

Mas, antes que me esqueça do assunto, voltemos à franja. Ocorre que, depois dos 14 anos de idade, por algum motivo desconhecido, comecei a encrespar. Minha avó, um dia, advertiu:

– David: teu cabelo está ficando ruim. Naquele momento, declarei guerra à natureza. Tentava domar meu cabelo com pentes e escovas e muito creme rinse (ainda existe creme rinse?). Ficava pior, espetado, “uma palha seca”, como dizia minha mãe. Já a minha irmã ria:

– Parece Bombril.

E minha avó, cada vez que me via, voltava a observar: – Teu cabelo está ficando ruim. Bullying caseiro. O pior tipo de bullying.

Até que chegou o momento em que minha avó, sempre ela, sentenciou:

– David, tu TEM cabelo ruim.

Foi como uma senha. Desisti. Saí do armário e me assumi como crespo. “Dane-se a família, dane-se a sociedade, danem-se todos, não me penteio mais!”, gritei ao mundo, debaixo dos caracóis dos meus cabelos.

Desde então, nunca mais usei pente ou escova. Apregoava minha crespice, batia no peito, passei a sentir orgulho de ser crespo. Olhava para um liso e dizia, com desdém:

– Escorrido...Com o tempo, o mundo foi me dando razão. Franjas perderam o prestígio, sobretudo devido à ânsia dos carecas, que mandavam fazer perucas com franjas redondas e vistosas. Lembra de Ivon Curi? Se não lembra, pense em Eike Batista. Carecas de franja.

Por causa deles e tantos outros, franjas foram associadas a falsidade. Ninguém mais queria usar franja. Eu venci!

Só que agora, talvez devido ao clima seco e frio do norte do mundo, meu cabelo foi alisando, alisando, até que alisou. Um dia, a Marcinha olhou e disse:

– Tu não és mais crespo. Aquilo me deu uma angústia. Porque eu estava contente como crespo, enfim. Além do mais, minha avó já morreu, não posso chegar para ela e mostrar:

– Olha, vó: bom cabelo! Até porque nem se diz mais bom cabelo ou cabelo ruim. É preconceito.

É triste, mas já me convenci: vou ter que comprar um pente. E isso, ao invés de me alegrar, como me alegraria aos 14 anos, me assola. Olho para o espelho, vejo aquela franja e não me sinto um galã. Sinto-me como se estivesse de peruca. Oh, Deus, como é injusto o passar do tempo.

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