sexta-feira, 31 de março de 2017



31 de março de 2017 | N° 18807 
CLÁUDIA LAITANO

Só para eles

Acho que, em muitos sentidos, sou uma mulher de sorte. Cresci com dois irmãos mais velhos e nunca senti nenhuma diferença significativa em relação à educação ou à liberdade que desfrutávamos em casa. No trabalho, vi muitas colegas mulheres alcançarem posições de destaque em todas as áreas ao longo dos anos e raramente percebi que estava sendo tratada de forma desrespeitosa ou condescendente – e ainda bem que foram poucas, porque lembro bem de cada uma delas.

Como dona de casa part-time e mãe em tempo integral, admito que nunca vi as tarefas domésticas serem divididas em partes exatamente iguais entre homens e mulheres, na minha casa ou na dos outros, mas, por sorte, fui abençoada por uma certa tranquilidade com relação a louças não lavadas, roupas não passadas e festinhas infantis terceirizadas. Ou seja, nunca perdi o sono (ou o tempo) para dar conta de tarefas que me pareciam secundárias em relação a outros interesses ou compromissos. 

Quando minha filha pedia mais atenção ou reclamava porque eu era a única mãe que nunca buscava os filhos na escola, respondia que um dia ela iria ter um trabalho bacana e que talvez também fosse obrigada a fazer escolhas difíceis. Acho que ela entendeu o recado, mesmo não gostando muito do argumento na hora, e hoje vejo com orgulho que, aos 18 anos, ela faz parte da geração de jovens feministas que está apertando alguns parafusos que a minha geração tinha deixado frouxos, exigindo oportunidades e fazendo perguntas que, muitas vezes, nem sequer nos ocorriam há 15 ou 20 anos.

Exemplo de um “parafuso frouxo” que sempre me incomodou? A velada misoginia daqueles almoços semanais de amigos e conhecidos em que até os chatos são bem recebidos – desde que tenham nascido homens. A mensagem subliminar do encontro exclusivo para homens é a de que eles não se sentem à vontade para serem eles mesmos na nossa companhia, seja porque não estamos à altura do seu intelecto e bom humor (risos), seja porque somos todas tão maravilhosas que eles não conseguiriam passar uma hora em nossa companhia sem serem afetados pelo impulso incontrolável de se exibir (mais risos).

Meu modesto sonho de igualdade cotidiana é banal e amplamente factível: que em todas as mesas de almoço, o gênero dominante seja o da camaradagem e do afeto, e não o da convenção e o da preguiça de mudar.

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