30 de março de 2017 | N° 18806
DAVID COIMBRA
A revelação
“Mocó” era como chamávamos um canto dos fundos do Colégio Amstad, onde íamos vagabundear. Fico especulando, agora, em retrospectiva, se aquilo era um jardim ou uma fonte desativada. Não sei. Era um espaço aberto entre os arbustos, delimitado por umas pedras, nas quais sentávamos. Os mais velhos deslizavam para lá a fim de fumar escondidos das professoras. Eu não fumava, mas ia para conversar conversas clandestinas, coisas que não podiam ser ouvidas nem pelas crianças, nem pelos adultos.
O Amstad fica nos altos do IAPI, acima do Alim Pedro, entre o cemitério e o postão. Fiz a 8ª série lá. Dia desses, recebi uma foto da nossa turma. Eu de pantalona de brim e uma camisa amarela de que gostava muito, bem magrinho, o cabelo começando a encrespar. Devia ter uns 13 ou 14 anos. Hoje, os guris dessa idade vão aos rolezinhos do beijo.
O Paulo Germano estava me falando dos rolezinhos do beijo, que reúnem até 20 mil adolescentes em São Paulo e já estão descendo para Porto Alegre. Eles se encontram para, a princípio, se beijar, mas tudo pode acontecer.
Para mim, nos tempos do Amstad, isso seria impossível, impensável, inimaginável. E, falando em imaginar, imagine que, uma tarde, numa dessas vezes em que escorregamos para aquele jardinzinho, um dos caras mais velhos acendeu um cigarro, soprou a fumaça para o alto e revelou, para nosso espanto e admiração, que havia “feito de tudo” com certa menina da aula em uma festa. Arregalei os olhos. Como assim, “feito de tudo”?
– Passei a mão nela todinha – explicou. Todinha! Fiquei assombrado. Todinha!
Não fazia nem uma semana, nós estávamos sentados nos bancos de pedra que ficavam em frente à Coorigha e a Alice contou:
– O Bira botou a Karen na Mobilette dele, foi lá para cima do Alim Pedro e lá... passou a mão nos seios dela!
Dei um salto e protestei: – Não acredito que a Karen fez isso!
E agora aquele cara vinha falar que havia passado a mão na nossa colega “todinha”!
Nele acreditei. Nossa colega parecia mais desinibida do que a Karen. Pedi mais detalhes e ele foi descrevendo a cena: apalpou aqui, alisou ali, afofou acolá.
Até acolá. Eu, estupefato com a ousadia dele, incentivava:
– E aí? E aí?
– Aí... – ele fez um suspense. – Na hora em que eu ia tirar a calça dela... Ela mandou parar. Disse que não podia.
– Por quê? Por quê??? – Estava monstruada! Acredita?
Monstruada? Eu não fazia ideia do que poderia ser aquilo. Mas é óbvio que não ia passar vergonha. Exclamei:
– Não! Ele, suspirando: – Pois é...– Que coisa...
Ainda lembro de quando a aula terminou e desci o morro do Alim Pedro com minha pastinha debaixo do braço, pensando que raios, afinal, deveria ser esse troço de monstruada. As mulheres se transformavam em monstros ou o quê? Ao chegar em casa, corri ao dicionário. Não encontrei a maldita palavra. À noite, perguntei para a minha mãe. Ela riu:
– É “menstruada”!
E me explicou o fenômeno. Quando me contou que uma coisa daquelas acontecia com as mulheres, quase não acreditei. Como era possível? Passei a olhar para elas com fascínio ainda maior. Que seres intrigantes, recordo-me de ter pensado, ou simplesmente sentido. É o que sinto ainda. Como era ingênuo. Pobre de mim, que vivi em um tempo em que não havia rolezinho do beijo.
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