segunda-feira, 6 de março de 2017



06 de março de 2017 | N° 18785
EDUCAÇÃO

REDE PÚBLICA VOLTA ÀS AULAS CERCADA DE DESAFIOS

GOVERNO PRECISARÁ LIDAR com insatisfação de professores e dúvidas de alunos enquanto escolas se adaptam a mudanças no ensino. Novas ocupações e greves estão entre as preocupações

Depois de um ano letivo tenso e que demorou a terminar – as escolas recuperaram aulas de 2016 até o final de janeiro deste 2017, devido à paralisação mais longa dos professores estaduais em 25 anos –, 2017 promete ser mais um ano atribulado na educação pública do Rio Grande do Sul. Previsão de greve, colégios em obras e os desafios de implementar o ensino integral e se preparar para a reforma do Ensino Médio são algumas das dificuldades que terão de ser enfrentadas. Tudo em meio à crise econômica e à redução dos investimentos do Estado em educação.

Atenta à mobilização de professores e também de estudantes, em voga antes mesmo de o calendário deste ano ter começado oficialmente, a Secretaria Estadual da Educação afirma que está “na expectativa” para os obstáculos que terá de enfrentar, mas se prepara como pode diante das dificuldades financeiras do Estado.

– Nós temos feito uma série de ajustes pela própria situação do Estado para que se façam as contratações necessárias. O Cpers levanta o argumento de que o Estado não quer negociar, e não é isso, o Estado não tem condições de negociar – diz o titular da pasta, Luis Antônio Alcoba de Freitas.

Já os sindicatos se preparam para fazer protestos e preveem paralisações.

– Este ano vai ser uma continuidade das lutas de 2016, com mais intensidade ainda. Não vamos aceitar a precarização da escola pública, as precarizações do nosso trabalho – defende Solange Carvalho, vice-presidente do Cpers/Sindicato.

Seis questões para o ensino público

Greve, mudanças e descontentamento

Os professores da rede pública estão descontentes: no Estado, reclamam do parcelamento de salários e da falta de investimentos em educação; em Porto Alegre, criticam a nova rotina proposta para as escolas e dizem não ter como se adaptar às mudanças propostas a tempo. Diante dos problemas apontados – que, no caso dos servidores estaduais, persistem desde 2016 –, os profissionais estão convocando assembleias para discutir como vão se mobilizar. Greves são uma possibilidade real.

– Temos todos os motivos para iniciar a greve já no dia 8 (quarta-feira). O governo ainda tem contas do ano passado a acertar conosco, mas continua ameaçando, parcelando salários. A educação está sendo sucateada – diz Solange Carvalho, vice-presidente do Cpers/Sindicato.

A Secretaria Estadual da Educação garante, porém, que não tem como pagar os salários em dia diante das dificuldades financeiras do governo.

– O Estado está exaurido, não tem como alcançar qualquer tipo de reajuste. Nas greves nos serviços públicos, diferentemente da empresa privada, em que o maior atingido é o bolso do dono, a maior prejudicada é a própria população, é a sociedade, os estudantes, não o governo. Esperamos que haja bom senso por parte dos professores e que a gente possa iniciar o ano letivo com outra forma de manifestação – afirma o secretário.

Na Capital, os professores municipais também participarão de uma assembleia geral convocada pelo Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) para quinta-feira, às 13h30min, no Parque Harmonia.

Afastamento e contratação de professores

Antes do início das aulas, havia 69,5 mil professores ativos na Secretaria Estadual da Educação (Seduc). O número é menor que em 2016, quando o ano letivo começou com 70.256 professores ativos. No ano passado, houve o afastamento de 6.244 professores, entre efetivos e temporários, e 1.154 novos docentes passaram a integrar o banco de servidores, conforme a secretaria.

Há, contudo, a expectativa de que muitos profissionais peçam aposentadoria nesta volta às aulas, especialmente diante da anunciada reforma da Previdência. Em face disso, a Seduc garante que, nesta semana, serão nomeados ou contratados mais 320 professores. Dos 13.105 aprovados no último concurso público, 8.589 foram chamados. Em caso de necessidade, a secretaria afirma que possui autorização para chamar concursados e contratos emergenciais.

Ampliação do ensino integral

O Estado também tem de trabalhar para atender às exigências da lei que reforma o Ensino Médio. Entre as determinações do texto aprovado no Congresso está a de ampliar a carga horária das 800 horas anuais para 1,4 mil horas. Não há prazo estipulado para essa meta, mas em até cinco anos será preciso elevar a carga horária anual para 1 mil horas – modelo que já é adotado no RS. Há escolas que precisam de novas salas, de laboratórios e outras adequações.

Há outro empecilho entre as 11 escolas indicadas pelo governo estadual para receber recursos federais: muitas não estão conseguindo matricular o número mínimo de 120 estudantes no ensino integral. Por isso, a secretaria estuda pedir ao Ministério da Educação (MEC) que reconsidere a exigência, ao menos no início da implementação. As aulas nesse modelo só devem ter início no segundo semestre.

Reforma do Ensino Médio

Há tempo hábil, já que o novo modelo do Ensino Médio só deve chegar às salas de aula dentro de dois anos, isso na previsão mais otimista do governo federal, mas o Estado precisa se mexer se quiser estar preparado para a implantação da reforma. As escolas passarão por uma reviravolta no currículo, que deverá contemplar todas as disciplinas atualmente ministradas, dentro de quatro áreas principais (linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas), e mais a possibilidade de ofertar formação técnica aos estudantes.

Para isso, é preciso que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) seja concluída, o que só deve acontecer neste ano. Será essa base a responsável por definir 60% do currículo obrigatório em todas as escolas brasileiras, tanto públicas quanto particulares. Também será preciso se adaptar ao currículo flexível, que prevê que as escolas ofereçam pelo menos duas das cinco áreas aos alunos que quiserem fazer sua própria trajetória.

Escolas em obras

Nesta volta às aulas na rede pública estadual, alunos de duas escolas da Capital – uma na Lomba do Pinheiro e outra no Lami – encontrarão o mesmo cenário de privações que enfrentavam no fim do no letivo de 2016: turmas compartilhando espaços diminutos, sem ventilação adequada, com redução de turnos, em alguns casos com alteração na merenda escolar, tudo porque a estrutura dos prédios não oferece plenas condições de uso.

As escolas Maria Cristina Chiká, na Lomba do Pinheiro, e Heitor Villa Lobos, no Lami, fazem parte de um universo de 93 escolas estaduais de Porto Alegre em processo de obras – em todo o Estado, chegam a 430 instituições, totalizando investimento de R$ 98 milhões.

Conforme a Secretaria Estadual da Educação, há mais de 2,5 mil escolas na rede e, em função do grande número e da estrutura física envelhecida dos prédios, as obras são permanentes e tramitam conforme a necessidade de cada instituição de ensino.

Turmas maiores para menos alunos

Em novembro de 2016, a Seduc confirmou o fechamento de turmas e de turnos em escolas com a justificativa de enxugar a estrutura por causa da queda no número de alunos. Uma portaria publicada no Diário Oficial determinou a necessidade de um mínimo de 16 estudantes por turma.

– Nós tínhamos turmas com quatro, cinco alunos. (Fechamos turmas) Até para haver a socialização. Tem de haver um número de alunos para que possa haver essa integração – diz o secretário Alcoba.

Ele afirma que “a otimização das turmas é um trabalho realizado pela Seduc com a finalidade de melhorar o atendimento dos alunos, já que a população educacional do RS registra queda ano após ano, em razão da própria diminuição na taxa de natalidade”.

ZH solicitou à secretaria, em 21 de fevereiro, um balanço sobre o número de turmas que foram reduzidas e de escolas que tiveram turnos de aulas encerrados, mas a Seduc não informou os dados.

guilherme.justino@zerohora.com.br

Nenhum comentário: