25 de março de 2017 | N° 18802
LYA LUFT
Ah... família
Quantas vezes se discute o tema “família” durante uma vida inteira! Em grupos de mesa de bar, entre amigas (sobretudo mulheres, porque homens comentam menos questões afetivas)! Quanto de queixas em salas de terapeutas e psicanalistas, quanto ressentimento secreto ou evidente contra pai, mãe, irmãos... Mas também: quanta segurança, conforto, alegria e emoção. Quanta descoberta através dos anos.
Lembro desde muito pequena de certa ansiedade em relação a isso. Às vezes, corria para a mãe perguntando: “Você gosta da vovó?”. E a resposta vinha sempre: “Claro, ela é a mãe do meu marido”. E perguntando à avó, a resposta era quase igual: “Claro, ela é a mulher do meu filho”. Aquilo não me tranquilizava muito, mas por algum tempo valia.
Devo dizer que não havia brigas sérias em minha família, não éramos anjos, apenas pessoas: algum conflito sempre existia e existirá em qualquer desses grupos humanos meio estranhos chamados família, dos quais a gente não pediu para participar, e às vezes gostaria de escapar, raramente conseguindo... E onde tantas vezes se bebe a água fresca e vital de um aconchego que nada mais pode nos dar.
Não realizo com muita frequência o sonho de toda mãe galinha choca, como já me definiram: ter seus pintos perto, à sua volta ou ao alcance de um voo direto e breve. Parte de minha família mora longe, digo looonge mesmo: um filho com mulher na África remota e dois de meus netos, seus filhos, cursando faculdade na Nova Zelândia. Às vezes brinco que, na próxima mudança, quem sabe se transfiram para o Polo Norte e o Polo Sul. E apesar disso, graças aos milagres do cyberspace e do afeto, de alguma forma estamos sempre juntos, eles e nós, a família que por sorte minha ficou aqui.
Por isso mesmo, talvez, as reuniões são tão importantes, e fazem transbordar este coração: os que antes foram meus bebês, minhas crianças, meus adolescentes, agora são mãe e pais, um de barbas brancas, com suas famílias. Suas profissões. Perto ou longe, abrindo caminho neste vasto mundo onde há muito já não posso nem devo protegê-los como quando eram crianças, e eu talvez ainda sonhasse que eram “minhas”.
Isso de ser família tem alguns clarões gloriosos, como quando finalmente todos se reúnem, e muita risada, muita brincadeira, muito abraço, foto, carinho, memória de velhas aventuras: “Lembram de quando alguém nos deu um macaquinho de presente e ele queria morder todo mundo? Lembram daquele cachorrinho? Daquela pescaria na praia?
Daquela vez em que torci o pé na escola? Daqueles jogos de vôlei na piscina? De quando o diretor te chamou, mãe, porque eu tinha tirado a peruca de um professor que implicava com a gente? De quando a gente se casou? De quando nossas crianças por sua vez nasceram?”. E assim se gastam noites, e dias, e churrascos, e almoços, e felicidades. Não é paraíso, mas é realidade, é chão, raiz, emoção tantas vezes mal disfarçada.
Ando tendo uma dessas dádivas da vida. E me faz acreditar que existe algo nos laços de família que é muito mais do que genes e sangue: é alma e afeto. E que, por mais louco ou chato que ande este grande mundo, talvez este país, uma família amorosa mostra que algumas coisas permanecem, belas e firmes. E que tudo valeu a pena.
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