07 de março de 2017 | N° 18786
CARPINEJAR
Preparo
O que é estar preparado para a vida?
Minha mãe não entra no fundo de uma piscina, mas é a que mais mergulha nos livros. Meu pai jamais aprendeu a andar de bicicleta, mas vive me dando carona em sua risada. Tenho amigos que não tocaram num volante de carro, e conhecem a cidade melhor do que ninguém. Não posso sentenciar que eles são despreparados, porque eles completam lacunas com outras sabedorias.
Há pessoas que não vão se casar, e experimentaram manifestações sublimes de amor. Há pessoas que não terão filhos, e cuidam dos sobrinhos e afilhados com imensa delicadeza. Há pessoas sem amigos que são amigas dos seus pensamentos. Há pessoas com uma roda infinita de companhias com medo da própria solidão. Há pessoas que nunca moraram sozinhas, e acertaram as contas familiares e cuidaram da velhice dos entes queridos. Há pessoas que não colocaram uma gota de álcool na boca, e são ébrias por natureza.
Como pesar o que é decisivo para viver? Não subir em um avião não quer dizer que não existe bagagem. Assim como visitar o Exterior nada representa para quem não pisou no interior de si mesmo.
Eu não sei dançar, não sei ficar calado, não sei inglês o suficiente, não sei dormir brigado com a esposa, há tantas ignorâncias em mim, que não me vejo inteiramente seguro. Tampouco significa inconsistência.
Preparar-se para a vida é aceitar críticas e acolher os defeitos? Pode ser. Árduo trabalho admitir a oposição e a contrariedade, complicado assumir que as nossas atitudes nem sempre agradam e encarnar uma posição minoritária no emprego ou em casa. Não toleramos a oposição, porém toda aceitação é personalizada, vem de uma criteriosa escolha, não é superficial como o rancor.
Talvez a generosidade seja o maior sinal de amadurecimento, quando abandonamos a casca de nossos problemas e despertamos para a empatia da simplicidade e da imperfeição. Talvez seja o perdão, quando acolhemos uma desculpa polêmica, vencemos o ódio e a vingança e oferecemos uma segunda chance para aquele que errou os passos em nossa estrada. Talvez a preparação seja consumada quando nos despedimos dos pais, jogamos um punhado de terra sobre a madeira do caixão e ouvimos, silenciosamente, o som da pá do coveiro denunciando o nosso batimento cardíaco.
Talvez a preparação da vida seja amar, desamar e amar de novo, não convertendo os dissabores em preconceitos.
Talvez seja somente não sentir inveja de quem sabe algo que não sabemos fazer.
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