sábado, 11 de março de 2017



11 de março de 2017 | N° 18790 
DAVID COIMBRA

A sociologia da salsicha

Outro dia, comprei uma salsicha. Comprei o pacote inteiro, na verdade, e outras coisas também, mas a salsicha é que foi protagonista da história que vou contar.

Comprei aquela salsicha no Trader Joe’s, um supermercado que tem aqui perto de casa. É um prazer ir a esse súper. É pequeno e funcional e, no sistema de som, tocam uns rocks antigos, Billy Joel e tal. Cara, gosto do Billy Joel. “I love you just the way you are” a gente ouve e se sente bem.

Nesse súper, você consegue perceber com clareza as diferenças entre brasileiros e americanos.

É uma experiência sociológica ir ao Trader para comprar uma salsicha.

É que, vou dizer, sinto falta do Brasil. Concluí que sou irremediavelmente brasileiro e, quando digo que isso é irremediável, é exatamente o que quero dizer: que não tem jeito de consertar.

Invejo meus jovens colegas jornalistas que saem da faculdade, mudam-se para a Nova Zelândia e voltam cidadãos do mundo. No Brasil, diante da primeira dificuldade na Redação, o que eles fazem? Uma pós em Nova York. Pedem demissão, passam um ano no Exterior e, quando reaparecem, estão sábios o suficiente para dar consultoria ou aula em universidade.

Por que não sou assim? Eu, o que é que sou? Um brasileiro arraigado e suburbano, mesmo vivendo a 8 mil quilômetros de distância. Suspiro pelos chopes cremosos e gelados, pelos convescotes com os amigos e pela suave malícia das mulheres, delícias que só existem nesse país tropical abençoado por Deus. Somos mais afetuosos, sem dúvida.

Os americanos, você verá no súper, eles prezam acima de tudo sua individualidade e sua privacidade. Por isso, respeitam acima de tudo a individualidade e a privacidade alheias. Se um americano, por algum motivo, esbarra em você, ele se perturba. Fica implorando:

– Sorry! Sorry!

Nos primeiros meses aqui, esse comportamento me parecia exagerado. Para que pedir tantas desculpas? Foi só um pequeno esbarrão, sei que não foi de propósito, calma, man.

Depois, passei a gostar dessa reação. Demonstra respeito, afinal de contas. Agora, quando esbarro em alguém, me apresso:

– Sorry! Sorry!

Essa boa educação, ainda que às vezes pareça excessiva, torna a vida mais fácil e a convivência leve. Mas, quando você é convidado para uma festa, por exemplo, eles escrevem no e-mail: “Começa às seis e meia e termina às oito”. E começa mesmo às seis e meia e, às oito, te mandam embora sem nenhum constrangimento. Não tem aquela de toma mais um mate. Americano não sabe fazer festa, não sabe se divertir à grande em uma mesa de bar, não sabe varar madrugadas às gargalhadas.

Mas eles compensam com a gentileza, e é aí que vou falar da salsicha. Porque peguei aquele pacote de salsichas e, no momento de pagar, o caixa fez algo que os americanos costumam fazer. Isso foi outra coisa que me surpreendeu aqui. Os americanos gostam de elogiar. Você está conversando com um desconhecido na fila dos Correios, ele olha para baixo e diz:

– Que tênis bonitos!

Sempre fico perplexo. Tempos atrás, estava na rua e um rapaz que me ofereceu um jornal gratuito comentou:

– Gostei do seu cabelo! Fiquei pensando se não era ironia.

Não era, acho. Eles fazem isso a toda hora. Pois, no caixa, o funcionário do súper pegou aquele pacote de salsichas e começou a encher o ambiente de pontos de exclamação:

– Ah! Essa salsicha é maravilhosa! Adoro essa salsicha! No café da manhã, frita na manteiga, ela fica deliciosa! Que bom que você está levando essa salsicha para casa! Seu café da manhã será ótimo, realmente!

Agradeci, penhorado, e saí dali como que flutuando. Que legal que aquele sujeito havia elogiado a minha salsicha. Muito simpático da parte dele. Atravessei a rua, com a sacola do súper nas mãos, pensando que era extremamente agradável ter sua salsicha exaltada dessa forma assim inesperada, no meio do dia.

Aquilo me fez feliz, por Deus.

Avancei por uma quadra e, enquanto avançava, sorria. Então, parei. Sentei-me em um banco de madeira. Pus-me a observar as pessoas por alguns segundos. Em seguida, meti a mão à sacola do súper e, de lá, tirei o pacote de salsichas. Fiquei olhando para elas, as minhas salsichas.

– Foi uma sorte ter comprado essa salsicha – disse para mim mesmo. – Foi uma sorte mesmo!

E fui embora, assobiando Billy Joel.

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