18 de março de 2017 | N° 18796
CARPINEJAR
A primeira vez
A primeira vez nunca termina em nossa vida. Sempre haverá alguma primeira vez mesmo na velhice.
A primeira vez é de onde vem a coragem para todas as outras vezes. É enfrentar aquilo que não conhecemos. É não deixar de ir e de fazer, apesar dos calafrios e da vergonha. É entrar no primeiro dia de aula numa escola nova com uma turma de 30 alunos lhe encarando e querendo descobrir quem você é.
É engolir a saliva e atravessar a longa fileira de classes até sentar em uma cadeira que será a definitiva naquele ano. É fingir atenção com o batimento acelerado e responder “presente” com a menção de seu nome e ouvir os pescoços se virando em sua direção.
Ou é sair com alguém de quem se gosta, esperando qual a palavra que será interrompida para dar o beijo (será agora que ela está falando do futuro ou agora que está falando de suas preferências ou agora que me elogia?).
É experimentar o receio de perder o momento certo e depois se arrepender do que não aconteceu e sofrer com o que imaginou de bom. E depois do beijo, como será a primeira noite, o dia seguinte? Será que dar as mãos na rua já significa namoro e pertencimento?
E o tremor de se aproximar para ser negado?
E o temor de se abrir para ser rejeitado? Olha como é espinhosa a rosa dos lábios: temos que conquistar a aceitação pela nossa aparência e depois a aceitação por aquilo que somos dentro.
Ou como é um tremendo nervosismo começar num emprego, não assimilar como funciona o sistema operacional da empresa e ter que escolher alguém para perguntar e pedir ajuda.
Você disse que entendia e não entende coisa alguma. Viu que não entende. E bate o desespero de atrapalhar os colegas concentrados e interromper alguém com o seu analfabetismo funcional. E cresce o receio de ser uma farsa e ser desmascarado.
A vontade é correr para fora dali sem explicação, mas você fica, estranhamente fica e se acostuma com o suor frio e a gagueira da estreia. Sempre onde o medo reina, a coragem vem e vence.
Ou a primeira vez em que dirigimos um carro: a rua encurta e os veículos parados parecem que vão se mexer a qualquer momento. Ou a primeira vez em que dançamos como um afogado na pista e somos obrigados a aguentar a chacota enquanto tentamos encontrar o ritmo da música.
Ou a primeira vez em que nadamos e imitamos um cachorro atravessando as águas.
Ou a primeira vez em que cozinhamos e a receita não diz exatamente o momento de misturar os ingredientes.
Ou quando mudamos de país, e o idioma em comum é o choro. Ou quando enxergamos os pais adoecendo e não existe como parar o tempo, resta esperar que o abraço seja mais longo para retardar a partida.
Ou naquele instante em que realizamos um sonho adiado, um curso na faculdade ou um salto de paraquedas, e desafiamos a naturalidade dos jovens. A primeira vez não tem fim. Minutos antes de morrer podemos absorver algo inédito, pois a sabedoria é infinita.
Há quem, por exemplo, somente aprende a perdoar nos instantes derradeiros de seu fôlego e consegue salvar, num único gesto, a sua vida e da outra pessoa em dívida.
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