09 de março de 2017 | N° 18788
L.F. VERISSIMO
Surra
Winston Churchill não era flor que se cheirasse. Ou, como diria o Millôr na língua dele, “a flower you could smell”. Recomendou que se usasse gás venenoso contra os curdos – como, anos depois, fez o Saddam – e era um entusiasta da guerra química. Mas isso foi na sua juventude, quando atrocidades contra povos exóticos não causavam tanta discussão na metrópole.
Em vez de enforcado, Churchill se transformou no grande estadista cujas atitudes e frases ajudaram a resistir ao nazismo e inspiraram uma nação no que ele chamou de sua melhor hora. Seus charutos, suas bochechas de bebê e, acima de tudo, sua retórica triunfante sobreviveram a todas as lembranças de um passado não tão glorioso e lhe garantiram uma posteridade confortável.
Mas a frase mais famosa de Churchill não tem nada a ver com seus discursos de guerra. É aquela em que ele afirma que a democracia é o pior sistema de governo disponível, com exceção de todos os outros. O velho aristocrata, ele mesmo um exemplo do ideal ciceroniano de poder de casta, dizendo que a democracia é falha, insuficiente, irritante, confusa, difícil e provavelmente antinatural, mas ainda é melhor do que todas as suas alternativas possíveis.
Uma frase que precisa ser repetida de tempos em tempos, principalmente em países, como o Brasil, que já experimentaram as alternativas mas às vezes parece que as esqueceram. Porque aqui desesperar da democracia vai se tornando cada vez mais tentador. O que evidenciam os números crescentes do Bolsonaro nas pesquisas de opinião, entre outros agouros assustadores.
A democracia vem acumulando derrotas nos últimos tempos entre nós, e torna-se mais precária a cada revelação sobre a corrupção epidêmica que parece não poupar ninguém. A cada nova desmoralização de políticos e política, a nossa democracia apanha mais um pouco.
Há quem diga que o fato de ainda estar de pé, mesmo que só formalmente, é um bom sinal: em outros tempos ela já estaria na lona e a alternativa estaria nas ruas. Mas a surra continua. Como nas lutas de boxe em que só um lado apanha, sem defesa, sem reação possível – e o pior, sem torcida –, não é um espetáculo bonito.
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