quinta-feira, 9 de março de 2017



09 de março de 2017 | N° 18788 
DAVID COIMBRA

A casa amaldiçoada

Existe uma casa amaldiçoada aqui perto de onde moro. Fica no número 122 da Clinton Road, avenida elegante e fartamente arborizada. Neste inverno, que chega ao fim, um fato misterioso foi descoberto na mansão de 1,2 mil metros quadrados e sete quartos, tornando-a tetricamente célebre na cidade.

A casa é centenária. Durante décadas, abrigou, ao mesmo tempo, em um arranjo pouco usual, duas famílias ricas, de origem judaica: os Waldman e os Carver. Mais do que amigos, eles eram sócios em uma empresa de adesivos e numa financeira. Os Waldman e os Carver dividiam tudo, faziam tudo juntos e, aparentemente, sempre em harmonia. As crianças corriam pela propriedade, brincavam com seus bichos de estimação e iam à escola em alegre grupo.

Mas uma série de acontecimentos abalaria aquela paz perfeita. Primeiro, morreu a matriarca dos Waldman, de câncer. Depois, as empresas começaram a ter problemas financeiros. As famílias acabaram se separando. Continuaram na casa o velho Jacob Waldman e os filhos Toby, Lynda e Sheryl. Mas Toby queria comandar as empresas, brigou com o pai na Justiça, mudou-se para a Flórida e nunca mais falou com as irmãs. Em seguida, Jacob morreu. Restaram as duas sozinhas na mansão.

Então, o comportamento delas passou a sofrer lenta e estranha modificação. Mudaram de nome: de Waldman para Wheaton. Sheryl trocou até o prenome para Hope. De alegres e comunicativas, transformaram-se em reclusas. Não receberam uma única visita durante 40 anos. Encomendas, mandavam que fossem deixadas na porta dos fundos, do lado de fora. O carro, abandonaram na garagem. 

Quando varriam as folhas do terreno, postavam-se de costas para a calçada. Sem reparos e sem cuidados, a casa foi se deteriorando, a ponto de os vizinhos avisarem os agentes da saúde pública. Nos últimos anos, por três vezes policiais bateram à porta do número 122 da Clinton Road, e por três vezes Lynda os dispensou secamente:

– Estamos bem. Vão embora.

Num fim de semana especialmente frio deste inverno, Lynda ligou para uma prima e pediu ajuda. A casa estava sem aquecimento e a água havia congelado nos canos. A prima foi buscá-la. Ao chegar, Lynda saiu, com uma mala nas mãos, e entrou no carro. A prima aproveitou para fazer o que ninguém mais fazia havia quatro décadas: entrou na casa. Viu um lugar escuro, empoeirado, entulhado de caixas e papéis. E, na cozinha, debaixo da mesa de jantar, deparou com o cadáver de Hope, a prima que ela conhecera como Sheryl.

A polícia concluiu que Hope morreu há mais de ano e meio. Devido ao estado do corpo, é difícil saber de que causas, mas os médicos acreditam que não houve violência. Lynda, que tem 74 anos e caminha com ajuda de uma bengala, não sofrerá acusação da Justiça. Ela foi provisoriamente para um hotel, mas está decidida a voltar para a mansão.

A cidade toda comenta o caso. O que levou aquela mulher pacífica, que havia sido bela e afável, a conviver com um corpo em putrefação por 18 meses? Ela simplesmente não responde. Apenas diz que foi assim.

Ontem, fui até a Clinton Road. Queria conhecer a casa. Parei na calçada em frente e fiquei olhando. Tirei uma foto. A rua estava erma. Continuei ali, de pé, por alguns minutos. Esperava, talvez, ter uma visão da velha senhora que agora é a única moradora do lugar. Não acharia ruim nem se ela saísse porta afora, furiosa, e dissesse para mim o que dizia aos policiais intrusos:

– Vá embora! Estamos bem!

Terei visto uma sombra passando atrás da janela, no andar superior? Acho que não. Mas, por Deus, ouvi uma risada de criança. Pode ter vindo de um vizinho, de outro lugar, mas preferi pensar que era um eco do passado feliz daquela casa, quem sabe, até, uma advertência sobre como é precário o equilíbrio que mantém o ser humano inteiro, ereto e sadio.

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