18 de março de 2017 | N° 18796
LYA LUFT
Canção dos homens
(Primeiro, uma erratinha: na “Canção das mulheres”, do fim de semana passado, omiti – mea-culpa – uma palavra essencial: “Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amo menos quando preciso de um pouco de quietude”. Segundo, como há uns 15 anos houve protesto de amigos ou leitores: “E nós, os homens?”, então, aqui vai – também um pouco modificado.)
Que quando chego do trabalho ela largue por um instante o que estiver fazendo – TV, filho, computador – e venha me dar um beijo e um sorriso bom, não logo cobrando que estou atrasado ou sempre cansado.
Que quando preciso ficar um pouco quieto ela não insista o tempo todo para que eu fale ou a escute, como se silêncio fosse sinal de falta de amor.
Que não tire nosso bebê dos meus braços dizendo que homem não tem jeito pra isso ou que não sei segurar a cabecinha dele ou vou arranhar sua pele com minha barba... Mas me mostre como se faz.
Que ela não se interponha entre mim e as crianças, mas sirva de ponte entre nós – porque a mãe em geral abre a porta para que o pai entre na vida dos filhos ou ergue um muro para que ele fique de fora.
Que ela nunca me critique diante dos outros, não me humilhe porque estou ficando calvo ou barrigudo, ou porque como ou bebo demais... Nem comente nossa intimidade. Que quando estou com pouco dinheiro ela não me acuse de ter desperdiçado com bobagens em lugar de prover para minha família.
Que quando estou trabalhando ela não telefone a toda hora para cobrar alguma coisa que esqueci de fazer ou não tive tempo. Que não se insinue com minha secretária ou colega para descobrir com eles se eu sou fiel.
Que fale comigo quando lhe causo tristeza ou desgosto, com essa coragem das mulheres – e não deixe que o silêncio da mágoa se acumule entre nós.
Que se passo algum tempo sem a procurar ela não ironize, e quando a quero abraçar ela me acolha e responda, e não fique impaciente ou rígida, mas mostre que ainda me quer.
Que com ela eu também possa ter momentos de fraqueza, me desarmar, me desnudar de alma, sem medo de ser criticado ou censurado: que ela seja minha parceira, não minha dependente nem meu juiz.
Que cuide um pouco de mim como minha companheira, mas não como se eu fosse um filho desastrado e ela a mãe mal-humorada: que não me transforme em filho. E que me deixe também cuidar dela do jeito que eu posso, mesmo que às vezes seja difícil entender o que ela tem ou o que quer.
Que com os trabalhos, e o peso do cotidiano, ela não perca o jeito que tanto me encantou, e que, se for mudando – como todos mudamos com os anos –, que seja para ser mais parceira, não mais distante ou hostil, e que me ajude a ser também assim com ela.
E que se erro, falho, esqueço, me distancio, me fecho demais, ou a machuco consciente ou inconscientemente, ela saiba me chamar de volta com aquela compreensão, sabedoria e alegria que só nela eu descobri, e desejei que não se perdesse nunca – mas que me contagie e me torne mais aberto, menos solitário, menos defensivo, muito mais humano.
Que por ela eu me torne um homem melhor.
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