14 de março de 2017 | N° 18792
DAVID COIMBRA
A Atma é ótima
A Atma é ótima, dizia a propaganda, e a propaganda era igualmente ótima, porque ainda lembro dela.
A Atma era uma fábrica de brinquedos que não existe mais. Pertencia ao ex-ministro Dilson Funaro, aquele que implantou o Plano Cruzado no governo Sarney. Funaro e o Cruzado também não existem mais. Sarney continua aí. Sarney é eterno.
Pensei na Atma, que era ótima, porque dias atrás escrevi que meu filho de nove anos de idade não quer mais saber de brinquedos convencionais, só se interessa por jogos de computador.
Já eu, quando era uns dois ou três anos mais novo do que ele, queria muito um carrinho de bombeiros da Atma. Então, a minha madrinha Sônia descobriu que um canal de TV estava dando carrinhos iguais àquele em um programa de auditório. Não lembro qual era o programa, nem o apresentador, nem a emissora, lembro que a madrinha me levou lá, dizendo:
– Vamos ganhar esse carrinho!
Nunca tive sorte para concursos. Você vai dizer que sorte não existe. E eu digo que existe. Tem gente que tem sorte. O meu velho amigo e colega jornalista Mário Marcos de Souza é um desses sortudos. Era famoso por isso, na redação da Zero Hora. Quando ia acontecer algum sorteio no jornal, o pessoal da Editoria de Esportes já desanimava:
– Ah, o Mário vai ganhar...
Pois ganhava. Sempre. Dava uma raiva do Mário!
Eu nunca me dei bem em sorteio, e já naquele tempo tão longe, de mim distante, percebia isso. Logo, achava que seria inútil ir ao programa de TV. Mas a madrinha observou que não se tratava bem de sorteio, eu teria de responder a uma pergunta sobre um assunto relacionado ao brinquedo ou à fábrica de brinquedos, algo do gênero. Aquilo me alegrou. Eu tinha chances!
Decidi me preparar. Antes de sairmos, corri às enciclopédias da minha mãe para ler sobre os temas prováveis que “cairiam” no concurso. Foi então que descobri, e jamais esqueci, que a palavra “atma” significa “alma”, para os hindus.
Fiquei muito tempo pensando naquilo. Parecia meio misterioso uma fábrica ter um nome desses. Passei a gostar mais dos brinquedos da Atma.
Tomamos dois ônibus para chegar à emissora. No auditório, olhando para as outras crianças, senti certa apreensão: eram muitos, talvez o apresentador não me chamasse... Mais uma vez, dependia da sorte. Daria certo?
Não é que deu? Como se fosse um Mariomarquinhos, fui chamado pelo homem. Avancei até o meio do estúdio. Ele informou que, se respondesse corretamente à pergunta, o carrinho de bombeiros seria meu. Fiquei nervoso. Tinha de me concentrar. Depois de pequeno suspense, ele fez a pergunta:
– Quantas letras tem a palavra Atma?
Arregalei os olhos. Sério? Era isso? SÓ isso? Devia ter alguma armadilha embutida na pergunta. Não podia ser. Era fácil demais. Atma. Quatro letras. Ou será que não? Caí na dúvida. O homem me olhava, esperando.
– E então? – perguntou.
Contei mentalmente. Quatro, não havia dúvidas. Ou será que tinham aparafusado um maldito i no meio da Atma? Átima? Átima é ótima? Combinava mais com o slogan, certamente. Aí seriam cinco letras. – E?... – ele já estava impaciente.
Não conseguia me decidir. Quatro ou cinco? Atma ou Átima? Aflito, encarei o apresentador. Precisava responder. O tempo estava acabando. Se errasse, me sentiria o guri mais burro da Zona Norte, seria uma frustração, um fracasso estrondoso, todos os meus amigos e a minha família estavam torcendo por mim, seria recebido com vaia. Oh, Deus! Resolvi:
– Quatro!
O apresentador prendeu a respiração. Abriu a boca, como que decepcionado. Errei, pensei. Errei! Não acredito! Sou uma besta. Não sou bom em concurso mesmo! – Resposta certa! – gritou o desgranido.
Ganhei o carrinho de bombeiros. Saí feliz do estúdio. A Atma era ótima, minha madrinha era ótima, eu era ótimo, a vida era ótima.
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