sexta-feira, 3 de março de 2017


Jaime Cimenti

Águas de março É pau, é pedra, é o fim do caminho... 

mas as águas de março também trazem promessa de vida para o coração, como versejou com brilho Tom Jobim, nascido há noventa anos e que faz tanta falta para nós e para a Pátria. Antigamente a gente dizia que as coisas no Brasil começavam só depois do carnaval. 

Agora com a Lava Jato, a pindaíba econômica e os rolos políticos federais, estaduais e municipais, nossa estonteante e ensurdecedora vida nacional não para nem no alto verão e vamos seguindo, atônitos, assistindo aos telejornais de terror, tentando escapar de balas perdidas e enfrentado a roleta russa de outras inseguranças cotidianas. Num artigo recente de Arnaldo Jabor, estão as palavras do lendário cineasta Humberto Mauro, falando sobre a alma do cinema. Disse ele que cinema é cachoeira, que só o movimento interessa. 

Jabor encerra o texto dizendo que a melhor definição de vida é também cachoeira. Pego carona na cachoeira, mesmo sem me meter em aventurosas canoagens em corredeiras e cascatas e acho boa a metáfora. Hoje tudo e todos andam rápidos, inquietos, movimentados e transformadores, feito cachoeiras. O futuro já chegou faz tempo e já não temos tempo nem para ficar chocados. Estamos anestesiados diante dos choques do futuro, do livro famoso do Alvin Toffler. Quando processamos ou entendemos algo ou alguém, logo a cachoeira segue e mostra que a coisa e os seres mudam, rápido. 

É a sociedade e as pessoas líquidas, como escreveu o Zygmunt Bauman, que nos deixou há pouco e que passou décadas estudando e escrevendo sobre a "modernidade". Os cronistas são os biógrafos do cotidiano e tentam registrar os acontecimentos de seu tempo. Os cronistas de hoje estão atarantados, como a maioria de nós, envoltos em muitos sons, imagens, ruídos, palavras, discussões intermináveis e palavrórios de muitos sentidos e falta de sentido. Mas é isso, a vida deve ter mais perguntas que respostas. 

Ninguém sabe tudo. Nem deve saber, que aí a vida não seria essa graça triste, essa beleza por vezes apavorante e esse mistério sem fim. Tomara que as águas e cachoeiras deste março nos levem a algum entendimento, alguma saída nacional e tomaram que possam ser cristalinas e limpas e que tragam promessas de vida em nossos corações, como disse Tom Jobim em sua Águas de Março, uma das melhores - senão a melhor - canção que temos. Lava Jato, águas, cachoeiras, limpezas, tudo a ver. As águas de março fecham o verão, mas não fecham nossas esperanças e nossos sopros de vida. As estações do tempo, dos trens e dos ônibus vão continuar, nos levando para cá e para lá, num movimento vivo e interminável de cachoeira. 

Vida é movimento, é curva de mulata desenhada por Niemeyer enfeitando o sambódromo, mas vida também é silêncio de paz e parada saudável, para descansar e tomar um gole de água, mesmo que seja no escuro. a propósito... O filósofo grego Heráclito disse que em meio às mudanças constantes da vida não entramos no mesmo rio duas vezes. Os gregos já sabiam de tudo, muito antes da "modernidade". Pois é, Heráclito, essa coisa do rio, pode ser, pode não ser. 

Na memória, por exemplo, as coisas acontecem muitas vezes e aí o rio que entramos às vezes pode ser o mesmo. Nunca passamos por tantas transformações em tão pouco tempo. Mas o importante, o essencial, é a eternidade de certos instantes, é se assustar e se maravilhar com a existência, é perceber que no meio do mar de mudanças há permanências, como velhos faróis nos penhascos.  - Jornal do Comércio 
(http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2017/02/colunas/livros/548747-bastidores-da-lava-jato.html)

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