04 de março de 2017 | N° 18784
PIANGERS
Família é afeto
No final da palestra em plena sexta-feira de Carnaval, um rapaz da minha idade veio me procurar. Queria encontrar o pai biológico, um homem que engravidou sua mãe quando ela tinha 14 anos e que, pelo que havia ouvido da família, tinha o hábito de beber, usar drogas e bater na companheira. A minha pergunta pra esse rapaz foi: por que você quer conhecer esse cidadão?
Ao desconhecer nosso pai biológico, uma nuvem de magia e mistério se forma acima de nossa cabeça. Será nosso pai uma pessoa famosa? Seria ele rico ou aventureiro? Estaria ele nos procurando neste exato momento, sem conseguir contato? Traria paz de espírito, conforto emocional e almoços divertidos aos domingos?
É uma fantasia reconfortante. Levei 36 anos para entender que um pai biológico ausente é um estranho, na melhor das hipóteses. Na pior, é um estranho sem interesse algum em conhecê-lo, você não passa de um constrangimento distante. Conheço pais biológicos que passaram todos os bens para o nome de outras pessoas, para evitar que o filho distante busque parte da herança. Conheço pais biológicos que só buscam contato quando precisam de dinheiro. Conheço pais biológicos que mudaram de cidade apenas para esquecerem o fato de serem pais.
Enquanto idealizamos nosso pai ausente, esquecemos de valorizar as pessoas que estão do nosso lado. Fantasiamos uma vida nova e perfeita ao lado de um estranho, esquecendo nossa mãe, ou pais adotivos, ou avós que nos criaram e estiveram sempre lá por nós. Isso é uma injustiça tremenda. Quem estava lá nos trocando fraldas, pagando contas, chegando tarde em reuniões importantes não era nosso pai biológico. Era nossa família.
E aí está um segredo que não nos contam: família é afeto, não é biologia. Família é onde você se sente amado, apoiado, seguro – e isso, às vezes, não tem a ver com sua ligação genética. Por isso, existem tantas famílias felizes pouco convencionais, adotivas, formadas por avós, por tios, por vizinhos. Família é quem escolhe você. Pode ser, inclusive, que sejam seus pais.
A energia que gastamos para tentar fazer as pazes com o passado seria melhor empregada para fazer as pazes com o presente. Todo esse tempo querendo estar em paz com alguém que só existe na nossa imaginação, sem perceber que o importante é estar em paz com quem está do nosso lado.
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