quinta-feira, 16 de março de 2017



16 de março de 2017 | N° 18794 
DAVID COIMBRA

O pai que chorou a morte do filho

Foi difícil seguir em frente com o Timeline de ontem, depois que entrevistamos o pai do rapaz assassinado com um tiro na testa, durante um assalto em Porto Alegre. Ele era garoto ainda, 20 anos de idade, e estava voltando da escola para casa. O pai, César, preparava a comida. Eles iam jantar juntos, como faziam todas as noites.

A voz de César ficou embargada várias vezes, em meio à entrevista. Deixamos que falasse, e compreendi que aquilo, de alguma forma, fazia-lhe bem. No estúdio, em Porto Alegre, a Kelly chorava. No Texas, o Potter tentava articular o pensamento. E eu, em Boston, tive de tomar cuidado para não romper em soluços no ar. Porque, no exato momento em que César discorria sobre seu amor pelo filho, o meu filho, Bernardo, saiu da cama e veio me dar bom-dia. Nesta terça, as aulas começaram mais tarde, às 10h, por causa da tempestade de neve.

Pois quando vi meu filho ainda de pijama, estremunhado, os cabelos em desalinho, sorrindo para mim, ao mesmo tempo em que ouvia o lamento de dor infinita de um pai igualmente amoroso que havia perdido seu filho para sempre, quando essa conjunção se fez, meu peito se quebrou. Esforcei-me para mandar um sorriso para o Bernardo, fiz um sinal para que ele fosse tomar café e, então, em silêncio, pedi a Deus: “Por favor, proteja os filhos da minha terra”.

O que mais posso fazer? O que mais podemos fazer? Estamos desamparados, nós gaúchos, e há vários responsáveis por isso, mas ninguém mais do que os nossos governantes. Não é só Sartori, muito do mal que existe se formou antes dele, de diversas maneiras, mas Sartori tem uma culpa: ele permitiu que os limites fossem rompidos.

Quando o Estado se confessa incapaz de proteger seus cidadãos, quem se sente seguro é o bandido. No caso do Rio Grande do Sul, o Estado fez mais do que se dizer incapaz: ele propagandeou sua incapacidade. As cadeias estão superlotadas. Ninguém fica preso por muito tempo. As delegacias têm dificuldades para fazer plantão, para investigar qualquer caso mais complexo e até para colocar gasolina no tanque das viaturas. A força policial, em vez de aumentar, diminui a cada dia com as aposentadorias e licenças.

Essa situação, que é real, foi agravada pelo comportamento depressivo do governo do Estado. Os bandidos passaram da segurança à ousadia e da ousadia ao deboche. Eles fazem o que querem, porque sabem que nada lhes acontecerá.

Esse jovem estudante assassinado não tentou reagir ao assalto, não tentou correr, não desobedeceu ao assassino. Ele foi morto simplesmente porque o outro podia matar. E eles podem matar. Podem estuprar. Podem roubar. Podem agir como bem entenderem. Nós? Só nos resta torcer pela intervenção do sobrenatural, seja a sorte, seja o destino, seja Deus. Só nos resta esperar que, pelo menos, sejamos nós a sofrer, e não nossos filhos. Deus tenha piedade dos nossos filhos.

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