terça-feira, 28 de março de 2017



28 de março de 2017 | N° 18804 
CARPINEJAR

A perfeição mata a sinceridade

Quando fico nervoso, eu explodo rapidamente. As veias da cabeça saltam, bufo e grito, a reação é instantânea. Não guardo para depois. Sou primário e infantil. É aquela sensação de rasgar a roupa de Hulk, mas troco de pele, de rosada para rubra. Os olhos se agigantam em fogo. Falo palavrão, ofendo e me defendo como posso. Não queira conversar comigo, não escutarei mais nada, totalmente possuído. Também me entrego rapidamente na tristeza e na alegria. Mas logo passa e me recomponho e corrijo o exagero. Pelo menos, todos ao meu redor têm certeza da minha normal falibilidade.

No fundo, ofereço facilidades para a minha família. Não escondo os meus sentimentos. Não enterro as desavenças em nenhum quintal da memória.

Duro é conviver com quem embrabece e não se entrega. Nem diz o que perturbou. Não dá sinais de cólera.

Há pessoas que são educadas excessivamente para explodir e enganam o interlocutor. Acreditam que magoar-se é uma fraqueza, desconfiam da intimidade e se protegem na bolha impassível da soberba. Não expõem os pontos fracos para parecerem mais fortes do que realmente aguentam. Culparão o chão pelo tropeço e jamais assumirão as oscilações naturais de humor.

Demonstram o contrário do que sentem. Quando estão nervosas, tornam-se cada vez mais calmas. Não aceleram as palavras, retardam o modo de pronunciar cada uma delas, como uma estranha soletração. São xingados de volta e respondem com elegância, como se nada tivesse acontecido de errado. Dissimulam, trocam de assunto, fogem do conflito. Podem estar destruídas por dentro, não revelam os escombros. Mantêm a aparência indiferente, controlada, sem desvio facial e aumento de tom de voz.

Elas são as que mais sofrem pela impossibilidade de sofrer na hora. Saúde é sofrer pontualmente. Sofrer no momento em que aconteceu o desenlace emocional. Assim ressentimentos caducam, não há vitimização, não há vingança e recalque, não há transferência de pecados.

Equilíbrio é perder a postura de vez em quando para não sobrecarregar a alma. Dissabores emergem para serem desfeitos no ato, com desculpa e retratação.

Adiar costuma aumentar a importância de um simples aborrecimento.

A maior violência vem da inibição. Não comunicar o que incomoda e ser partidário de que a outra pessoa não é capaz de entender e respeitar os limites.

Melhor ser um esquentadinho do que um requentado. A perfeição mata lentamente a sinceridade.

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