sexta-feira, 17 de março de 2017



17 de março de 2017 | N° 18795
ARTIGO | CLEONICE BACK

BANALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA

O homem brasileiro é, antes de tudo, um violento. Nossas instituições, inclusive a família, são laboratórios, onde a violência se esconde e se perpetua. Ao final da leitura deste artigo, a Central de Atendimento à Mulher, através do disque-denúncia (180), registrará, no mínimo, um caso de agressão física, cometido em ambiente familiar, por um homem com vínculo afetivo com a vítima. 

Ao folhear este jornal por 11 minutos, uma mulher terá sido estuprada. Ao encerrar o dia de hoje, 10 mulheres terão sido assassinadas. Estima-se que 30 milhões de mulheres já sofreram algum tipo de violência. Tudo isso no Brasil dito pacífico, amoroso e cordial. Essas estatísticas já não causam repulsa, tampouco comoção. A banalização da violência funciona como entorpecente para evitarmos a exposição desta chaga.

Nos parlamentos, a mulher é minoria. No Poder Executivo, idem. O sistema judiciário, por sua vez, não demonstra nenhum constrangimento pela preponderância masculina, apesar de ter como símbolo a deusa de olhos vendados, Themis. No ambiente de trabalho, o assédio é algo disseminado e é comum a mulher receber salários menores. Nos lares, berço dos maus- tratos, cabe à mulher o peso da responsabilidade doméstica.

A violência contra a mulher é uma epidemia de longa data. Uma doença social altamente complexa. Soco no rosto, pontapés, empurrões, ficam gravados nos corpos femininos, os mesmos corpos que geram a vida. Mas a violência também se manifesta nas exclusões institucionalizadas, nas chantagens psicológicas, no palavreado agressivo, no vício da diminuição e nas sutilezas do cotidiano. Afogados nesta cultura machista, nós nos distanciamos cada vez mais do verdadeiro sentido do amor e das relações entre seres iguais.

Não gostamos de refletir sobre esse tema. Preferimos a surdez, a cegueira e o faz de conta. Rapidamente transformamos esse assunto em piada e o cinismo prevalece. O mais absurdo são os inequívocos sinais de retrocessos. As estatísticas do feminicídio não recrudescem. Políticas públicas específicas para a mulher são consideradas desnecessárias e órgãos que zelam por essas políticas são rebaixados. O caminho da emancipação da mulher será longo e turbulento.

*Coordenadora-geral da Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar do Rio Grande do Sul (Fetraf-RS/CUT)

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