segunda-feira, 27 de março de 2017



27 de março de 2017 | N° 18803 
DAVID COIMBRA

Prisão de ventre

Esse iogurte, Activia, faz sucesso porque prisão de ventre é mal comum entre as mulheres. Conheci algumas que, em viagens, por exemplo, simplesmente não obravam.

Dom Pedro I era quem gostava de empregar esse bom verbo “obrar”. Em suas cartas para a Marquesa de Santos, ele várias vezes descrevia como e quanto havia obrado no dia, talvez imaginando que essas informações produzissem efeito afrodisíaco na amante. Na proclamação da independência, inclusive, há quem diga que ele havia se detido às margens plácidas do Ipiranga para obrar. São os pormenores intestinais da nossa história.

Mas, no caso das mulheres que não obram, não será iogurte a solução do problema. A questão é psicológica. É que há mulheres que sentem vergonha de ir aos pés, e agora passo de Dom Pedro para o Guerrinha. O Guerrinha aprecia esse termo tão gaúcho, “ir aos pés”. Quando trabalhávamos juntos, na Redação de Zero Hora, ele às vezes se erguia do seu lugar e anunciava, sonoramente:

– Vou aos pés!

A comunicação pública sempre provocava risos na Editoria de Esportes e manifestações de repulsa no Segundo Caderno, que era contíguo. Dona Celia Ribeiro, que trabalhava bem ao lado do Guerrinha e é uma mulher fina, não poucas vezes levantou uma sobrancelha em desaprovação.

A diferença de comportamento de uma editoria tipicamente masculina, como era o Esporte, para uma tipicamente feminina, como era o Segundo Caderno, prova o que digo: muitas mulheres sentem vergonha dessas atividades intestinas.

Só que há homens que também sofrem desse mal. O mais célebre deles talvez tenha sido Robespierre, o revolucionário francês chamado de “o incorruptível verde-mar”. Esse verde-mar era uma alusão à cor do rosto de Robespierre, que tinha tal tonalidade porque ele era um homem definitivamente trancado. Isso fez de Robespierre uma pessoa amarga. Ele jamais ria. Carregava sempre um caderninho, onde anotava os nomes de quem suspeitava ser inimigo da Revolução. De ter o nome colocado no caderninho para ter o pescoço colocado na guilhotina do carrasco Samson havia, em geral, um dia de diferença. Robespierre foi o próprio Terror.

Agora, mais de dois séculos depois de o próprio Robespierre ter a cabeça separada do corpo pela guilhotina, os cientistas descobriram que ele padecia de outra doença, uma deficiência imunológica raríssima e muito mais terrível, que lhe corroía as entranhas.

O incorruptível era um homem torturado. Desconfio até que esse apelido, “o incorruptível”, foi-lhe pespegado devido ao seu mau humor. Um sujeito que não ri parece não ser apegado ao gozo da vida e, não sendo apegado ao gozo da vida, não parece ser suscetível a tentações materiais.

Fico pensando se não é esse um de nossos problemas. Talvez nós, brasileiros, sejamos apegados em demasia ao gozo da vida. Aos prazeres da carne. Donde, tanta corrupção. Mas podemos evoluir. Nós também estamos passando por nossa revolução e, um dia, quem sabe, haveremos de descobrir que a soma dos prazeres não tem como resultado a felicidade.

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